Revista de Educación Religiosa, volumen III, nº 3, 2025, DOI 10.38123/rer.v3i3.546
Luciano Tokarski1
lucianotokarski@yahoo.com.br
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Resumo
A proposta desse artigo é apresentar a intuição teológica da restauração do catecumenato pelos padres sinodais no Concílio Vaticano II e, especificamente, compreendê-lo como elemento pedagógico do processo pastoral da Igreja. O catecumenato em sua índole inspira-se na transmissão da revelação de Deus e constitui-se na longa tradição da Igreja. Não se trata de um programa, um novo movimento, uma ferramenta modernista ou uma lista de preceitos catequéticos ou litúrgicos a se cumprir. É o itinerário e a mística do modo mais perene da Igreja em iniciar a pessoa humana no modo de vida de Jesus. O catecumenato é um modo de ser diferenciado e significativo de fazer iniciação à vida cristã. Ele é o coração do processo de evangelização da Igreja. Sendo assim, o processo do catecumenato estrutura-se em uma concisa, definida e íntegra formação mistagógica com tempos e etapas e, sobretudo, com vinculação comunitária com ritos, símbolos e sinais.
Palavras-chave:Concílio Vaticano II, catecumenato, evangelização, iniciação.
Resumen
El objetivo de este artículo es presentar la intuición teológica de la restauración del catecumenado por los Padres sinodales del Concilio Vaticano II y, en concreto, entenderlo como elemento pedagógico del proceso pastoral de la Iglesia. El catecumenado se inspira en la transmisión de la revelación de Dios y forma parte de la larga tradición de la Iglesia. No es un programa, un nuevo movimiento, un instrumento modernista o una lista de preceptos catequéticos o litúrgicos que hay que cumplir. Es el itinerario y la mística del modo más perenne que tiene la Iglesia de iniciar a la persona humana em el estilo de vida de Jesús. El catecumenado es un modo peculiar y significativo de iniciar a las personas en la vida cristiana. Está en el corazón del proceso de evangelización de la Iglesia. Por eso, el proceso del catecumenado se estructura en una formación mistagógica concisa, definida e integral, con tiempos y etapas definidos y, sobre todo, con un vínculo comunitario con ritos, símbolos y signos.
Palabras clave: Concilio Vaticano II, catecumenado, evangelización, iniciación
Abstract
The purpose of this article is to present the theological intuition of the restoration of the catechumenate by the Synod Fathers of the Second Vatican Council and, specifically, to understand it as a pedagogical element of the Church's pastoral process. The catechumenate is inspired by the transmission of God's revelation and is part of the Church's long tradition. It is not a program, a new movement, a modernist tool or a list of catechetical or liturgical precepts to be fulfilled. It is the itinerary and mystique of the Church's most perennial way of initiating the human person into Jesus' way of life. The catechumenate is a distinctive and significant way of initiating people into Christian life. It is at the heart of the Church's evangelization process. Furthermore, the catechumenate process is structured in a concise, defined and integral mystagogical formation with defined times and stages and, above all, with a community link with rites, symbols and signs.
Keywords: catechesis, catholic school, good practices
O documento de Aparecida deposita sapiencialmente em suas páginas prodigiosas palavras sobre o agir evangelizador da Igreja. “A Igreja querigmática e missionária é uma Igreja peregrina, desinstalada, samaritana, misericordiosa. Tem o Evangelho no coração e nas mãos e acolhe quem está desnorteado, caminha com as pessoas em situações difíceis, cura as feridas. Ela compreende que é tempo de permanecer vigilante e fixar-se no essencial da fé” (DA, #287).
O catecumenato é o eixo condutor que poderá inspirar e conduzir todo processo evangelizador da Igreja. É o caminho propulsor escolhido pela Igreja na modernidade impulsionada pela redescoberta das fontes patrísticas. É um caminho que alavanca à iniciação cristã, o processo sacramental eclesial e o itinerário catequético paroquial, porém vai além. É dinamismo do Espírito que ilumina toda a vida eclesial e suas inúmeras instâncias. É o epicentro de toda a ação evangelizadora da Igreja. O catecumento iniciará sujeitos na pessoa de Jesus Cristo e os fará perseverar na comunidade cristã.
Jesus é o sujeito evangelizador por excelência. Ele é o Evangelho do Pai, o Evangelho da Alegria e o Evangelho da misericórdia. Jesus é o protagonista da missão evangelizadora do Pai. Sua vida e obra anunciam o mistério do Reino e do seu ministério germina a ação evangelizadora da Igreja. “A Igreja nasce da ação evangelizadora de Jesus e dos doze” (Evangelii nuntiandi, #15). A missão evangelizadora da Igreja inspira-se no mandato missionário de Jesus: “ide, pois, fazer discípulos entre todas as nações, batizai-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-os a observar tudo o que vos tenho ordenado” (Mt 28:19-20). O evangelista aponta-nos o momento em que o Cristo Ressuscitado envia os discípulos para pregar o Evangelho em todos os tempos e lugares. Então, entendamos, o catecumenato é um ato de natureza eclesial, que nasce do mandado missionário do Senhor
A ação evangelizadora da Igreja, por meio do anúncio e da transmissão da fé, imita a ação do próprio Deus que se comunica à humanidade dando-lhe o seu Filho e derramando o seu Espírito. A evangelização deverá ser o eco desta comunicação divina, ou seja, deixando-se plasmar pela ação do Espírito Santo e identificando-se com Cristo crucificado, a Igreja revela ao mundo o rosto do amor e da comunhão de Deus. Ora, mais do que discursar sobre elementos ou manifestações divinas, evangelizar é a celebração de um encontro. “Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande idéia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa” (DA, #12).
É exatamente dentro desse complexo e longo processo de evangelização que a Igreja e seus atuais documentos magisteriais irão situar o itinerário de iniciação cristã de adultos, ou seja, o catecumenato é uma etapa privilegiada do processo de evangelização da Igreja. A catequese de iniciação cristã de adultos, por exemplo, está a serviço da evangelização universal da Igreja. De modo particular, “há o âmbito das pessoas batizadas que, porém não vivem as exigências do Batismo, não sentem uma pertença cordial e já não experimentam a consolação da fé” (DC 2020, #41), mas também “há o âmbito daqueles que não conhecem Jesus Cristo ou sempre o recusaram” (DC 2020, #41) e, ainda mais, há “aqueles que hoje pedem ou já receberam a graça dos sacramentos muitas vezes e não tem uma experiência explícita de fé ou não conhecem intimamente sua força e calor” (DC 2020, #56).
Portanto, o catecumenato, especialmente com adultos, apresenta uma explícita intenção missionária e se estrutura como um complexo orgânico e gradual para iniciar à fé e à vida cristã. Destacaremos a seguir quatro elementos teológicos do processo complexo, orgânico e gradual que é a iniciação cristã com adultos.
A revelação de Deus é comunicação, diálogo e realidade transformadora. Deus se revela e revela, em Jesus, “Palavra definitiva do Pai” (Verbum domini, #7), o seu amor, na e pela graça do Espírito Santo. A revelação é a iniciativa autêntica e amorosa de Deus e é orientada a construir fraternidade. Deus, na sua eternidade, habita, e habita no segredo, no silêncio, absoluta contemplação. Porém, Deus nunca quis esconder-se dos seus filhos. Ele desde sempre quis se comunicar ao ser humano. “Em virtude desta revelação, o Deus invisível (cf. Cl 1:15; 1Tm 1:17), no seu imenso amor, fala aos homens como a amigos (cf. Ex 33:11; Jo 15:14-15) e com eles convive (cf. Br 3:38), para os convidar e admitir a participarem da sua comunhão” (VD, #02). Deus se manifesta e realiza o seu projeto de salvação e mostra aos homens seus sinais de amor.
Além disso, Deus procura-nos. Ele sempre vem ao nosso encontro. Por meio da naturalidade da sua essência quis revelar a profundidade de sua existência. É um Deus que toca-nos, acaricia-nos, interroga-nos. Ele deseja a nossa presença e revela sua beleza e sua paz que sozinhos não conseguiríamos reconhecer. Deus declara-nos veementemente o seu amor.
O renomado teólogo o Cardeal J. M. Tolentino (Mendonça, 2006, p. 17) afirma que “acredito num Deus imiscuído, engajado, detectável até pelo impreciso radar dos sentidos, suscetível de ser invocado pelos motores de busca das nossas persistentes interrogações ou do nosso silêncio”. Entre outras palavras, Deus decidiu abrir o caminho de salvação aos seres humanos. Convocou Abraão para fazer dele uma grande nação. O Deus de misericórdia esteve na origem das coisas criadas fazendo-as obra da sua gratuidade. Por meio dos patriarcas revelou-se o Deus Salvador de todos os povos. Ele se revelou o Deus inserido na vida e na história dos seres humanos. Elegeu a Moisés, fez com ele e com os profetas uma aliança de renovação e de reconstrução, libertando-os da escravidão, do pecado e da morte.
“Deus não está unicamente para lá da fronteira do pensável e do dizível: está também aquém; nós vivemos no espanto interminável da sua presença” (Mendonça, 2006, p.17-18). Deus não se cansa de autocomunicar. Sua vida é infinitamente um ofertório. “O Senhor, teu Deus está ao teu lado como valente libertador. Por tua causa ele está contente e alegre, apaixonado de amor por ti, por causa está saltando de alegria” (Is 3:17). Deus que tudo criou não poderia deixar de manifestar o amor por sua obra da criação. Deus mesmo revela o seu nome: amor gratuito.
A revelação de Deus encontra sua plenitude na pessoa de Jesus Cristo, em suas obras e palavras, em sua vida, toda ela marcada pelo mistério de Salvação, sobretudo em sua paixão, morte e ressurreição. A revelação de Deus encontra em Jesus uma nova, definitiva e eterna etapa. A revelação de Deus é o conteúdo de fé eloquente que deve ecoar pela boca catequista e ressoar na vida do catecúmeno que “consciente e livre procura o Deus vivo e enceta o caminho de fé e da conversão” (RICA, #1).
Sendo assim, o catecumenato é um caminho revelado por Deus que dará ao iniciante a vida nova decidida pelo encontro com Cristo. É um modo de Deus dialogar com as suas criaturas. O catecumento gera novos filhos no plano salvífico de Deus. Aos catecúmenos que abrem a ação de Deus entenderam que Ele nunca está inativo, distante e omisso. A Ele pertence à Igreja e os seus processos, o povo, a criação, a humanidade, “todos os filhos e filhas dispersos pelo mundo inteiro” (OE III). O catecumenato, portanto é o lugar para iniciar uma relação dialógica e íntima com Deus.
Deus se comunicou de muitos modos, por meio de palavras, acontecimentos, sinais e muitas vezes pelos profetas. Deus mostrou-se. Ele em pessoa. Falou-nos definitivamente nestes nossos dias por meio do seu Filho unigênito. Seu Filho é o complemento de sua revelação. O Concílio Vaticano II através do documento Dei Verbum afirma que Deus “enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos os homens, para habitar entre os homens e explicar-lhes os segredos de Deus” (DV, #04).
Essa mesma noção é retomada no mais recente documento, sobre catequese de iniciação, publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização: “Jesus inaugura e anuncia o Reino de Deus para cada pessoa. Jesus Cristo, com sua vida, é a plenitude da Revelação: é a plena manifestação da misericórdia de Deus e, ao mesmo tempo, do chamado ao amor que está no coração da pessoa humana” (DC 2020, #15). Jesus inaugura e inicia o novo tempo de Deus. Definitivamente o encontro com Jesus conduz o iniciante ao mistério de Deus e do seu Reino.
“Jesus nos revela que Deus é amor e, ao mesmo tempo, nos ensina que a lei fundamental da perfeição humana e, portanto, da transformação do mundo, é o novo mandamento do amor” (Gaudium et spes, #380). O desafio de Jesus é mudar a escala do nosso agir, do nosso pensar e do nosso olhar. Jesus convida-nos a expandir nossas relações, libertando-nos dos itinerários automáticos.
Jesus é o enviado em nossa carne através do qual a humanidade tem acesso ao Pai no Espírito Santo configurando-nos participantes da natureza divina. Habitando como homem entre os homens, Jesus não somente revela os segredos de Deus, mas leva à realização o projeto salvífico do Pai. Pelo Cristo, Filho único do Pai, somos todos chamados filhos adotivos de Deus. O encontro com a pessoa de Jesus leva o iniciante ao mistério do Pai e do Espírito Santo, ao mistério da Igreja, ao mistério da criação e, em seu modo de vida, ao discipulado e seguimento de Jesus. Jesus nos quer seus discípulos e missionários e não seus empregados ou escravos.
Eis a finalidade do catecumenato: dar a conhecer Jesus, levar a segui-lo e anunciá-lo. Faz-se, enfim salutar recordar as célebres palavras do Papa Francisco no início do seu primeiro documento magisterial, “a alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria” (EG, #1). O discípulo é aquele que se deixou encher com a alegria do Evangelho por meio do catecumenato da Igreja.
A recente reflexão teológico-pastoral da Igreja, desde o Concilio Vaticano II, instiga-nos a procurar novos caminhos de iniciação inspirados no catecumenato dos primeiros tempos da Igreja. O anúncio do Evangelho não pode consentir com o “cômodo critério pastoral: fez-se sempre assim. Convido todos a serem ousados e criativos na tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades”, afirma o Papa Francisco (EG, #33).
O diretório de catequese de 1997 salienta a necessidade de “descobrir a centralidade da Palavra de Deus, é a catequese, que, nas suas diversas formas e fases, sempre deve acompanhar o Povo de Deus” (DGC, 1997, #74). O anúncio do Evangelho constitui a centralidade da vida e do ministério batismal. Evangelizar é fazer memória de que a obra de salvação é de Deus e nós somos discípulos e missionários. Escutar a voz do Espírito na Palavra e ler os sinais dos tempos é uma característica fundamental do processo do catecumenato. “É preciso estar em constante movimento de saída, de gestação permanente, sem nos apegarmos a um modelo único de uniforme” (Iniciação à Vida Cristã, #5).
Colocamos o anúncio do Evangelho no centro de todo e qualquer processo iniciático da Igreja. Não se trata de um elemento funcional do sistema religioso, e sim de um princípio fundacional e espiritual. O Papa Paulo VI exprimiu-se dessa forma dizendo que a “Igreja existe para evangelizar, ou seja, para pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na Santa Missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição” (EN, #14). O Papa Bento XVI na recitação dominical do Ângelus de 24 de outubro de 2010 afirmou que a tarefa missionária da Igreja “não é revolucionar o mundo, mas transfigurá-lo, haurindo a força de Jesus Cristo”.
A animação bíblica deve constituir o núcleo propulsor do processo do catecumento, sobretudo porque a catequese de iniciação é categoricamente cristocêntrica. Colocar Jesus como haste angular do processo catecumenal significa deixar que a Palavra seja fonte primeira da iniciação à vida cristã.
Em suma, o Diretório Geral de Catequese afirma que a catequese “tem de ser impregnada e embebida de pensamento, espírito e atitudes bíblicas e evangélicas, mediante um contato assíduo com os próprios textos sagrados; e recordar que a catequese será tanto mais rica e eficaz quanto mais ler os textos com a inteligência e o coração da Igreja” (DGC, 1997, #127). O catequista é ministro da Palavra, é aquele que se deixa encantar, envolver e moldar-se pela Palavra, é aquele que pronuncia palavras geradas da Palavra de Deus. Os seus catecúmenos são abraçados e apadrinhados pelo ecoar da Palavra.
Hoje nas novas relações muito se utiliza a expressão “comunidade”. No mundo digital fala-se da comunidade de seguidores ou influenciadores, nos organismos filantrópicos da comunidade de associados ou benfeitores, no ambiente de empreendedorismo usa-se comumente a linguagem comunidade de clientes e fornecedores. Na vida religiosa aqui e acolá escutamos falar de comunidade de batizados, consagrados ou clérigos.
Com a valorização do sujeito na modernidade, por um lado, cresce a busca de cada pessoa em construir sua personalidade, identidade e missão social, mas por outro lado, corre-se o risco da evolução do subjetivismo individual. A pessoa se relaciona com um mundo consumista e individualista o que pode lhe causar desvinculação comunitária. Podem-se emergir relações fluidas e fragmentadas. Todavia, não há que se negar que a pessoa humana constantemente se vê orientada pelos indicativos de coletividade social. Não se é possível viver o minimante viável em um eterno individualismo. A comunidade, presencial ou virtual, torna-se o lugar de comunicação, de encontro, de identificação, de iniciação, de satisfação e de troca de experiência.
Na tradição do antigo Israel a comunidade era base da convivência social. Ela era o lugar da benção familiar e das pessoas, sinal da prosperidade da terra, espaço de vivência cultual e construção da identidade de eleitos. Na comunidade o povo daquela época experimentava traços autênticos do amor de Deus e do amor ao próximo. A vida judaica era iluminada pela convivência comunitária social e religiosa.
Na época de Jesus, os valores e as relações comunitárias começam a sofrer impactos. O sistema político do Império Romano e sua religiosidade pagã pulverizam o ambiente comunitário familiar e religioso, em especial. Os impostos aumentavam e empobreciam as famílias. A escravidão psico-religiosa amedrontava a sociedade. Havia violência social intitulada pelos romanos e crescia a falta de assistência social, médica, educacional e econômica para muitas pessoas. As relações estavam envenenadas pela cultura do medo e da opressão. A comunidade de judeus, de nômades, de anciãos rabinos, de essênios, de beduínos sobrevivia em sua maioria na espera messiânica da reapropriação da coletividade judaica de eleitos do Deus de Abrão, Isaac e Jacó. Na tradição judaica, ser comunidade de fé é ser filho de Sião e vice-versa.
Jesus comunica o mistério do Reino de Deus: uma nova cultura social, um novo modelo de convivência religiosa, um novo projeto de vida livre e responsável. A alegria da renovação comunitária se espalhou pelas regiões da Galileia e atravessou a vida de muitas pessoas. Jesus alargou o sentido da vida comunitária. Para Jesus, a comunidade constitui-se de uma índole transcendente. A comunidade é lugar de experiências profundamente humanas e sagradas. A comunidade é o lugar onde todos podem adentrar e se relacionar.
Jesus se fez comunidade e fez parte da comunidade. Suas relações e manifestações se propunham em direção à vida em comum. Ele queria evitar que as pessoas e suas famílias se fechassem sobre si mesmas. Jesus se fez comunidade com os doze. Jesus se faz parte da comunidade judaica. Ele participava todos os sábados das liturgias em comunidade na sinagoga. Ele peregrinava todos os anos com sua comunidade até o Templo de Jerusalém. E, além disso, as comunidades constituídas por Jesus eram impregnadas pela Palavra, unidas pela oração litúrgica em comum e impulsionadas pela audácia evangelizadora.
Portanto, do mandato evangelizador de Jesus brota a missão evangelizadora da Igreja. Ela é comunidade de evangelizadores, comunidade de batizados e comunidade de missionários. “Sem comunidade, não há como viver autenticamente a experiência cristã” (CC, 2013, #42). Por conseguinte, o catecumenato é esse processo institucional pelo qual se insere iniciados na vida de comunidade de fé e ao seu serviço. A comunidade que implantou o catecumenato ao passar dos anos catecumenalizada, que por adição associativa, torna-se evangelizadora. A iniciação à vida cristã “não é uma ação facultativa, mas sim uma ação basilar e fundamental para a construção, tanto da personalidade do discípulo, quanto da comunidade. Sem ela, a ação missionária não teria continuidade e seria estéril” (DGC, 1997, #64).
O Ritual da Iniciação Cristã de Adultos [RICA], 2001, em sua introdução, ressalta que “a iniciação dos catecúmenos processa-se gradativamente no seio da comunidade dos fieis” (DC, 2020, #4). A comunidade é o lugar dos iniciados, dos seguidores de Jesus e é a responsável com aqueles que estão no caminho de fé ou buscam despertar para Jesus. A comunidade de iniciados torna-se o lugar do exercício batismal pelos ministérios, carismas e serviços. O organismo do catecumenato “educa para a vida de fé na comunidade, alimenta-a e renova” (IVC, #55).
Vale ainda destacar que a formação de pequenas comunidades eclesiais missionárias, como prioridade da ação evangelizadora da Igreja, oferece um referencial concreto para os diversos itinerários de iniciação, sobretudo para o catecumenato com adultos.
O Concílio Vaticano II referendou o reencontro com o mais antigo processo pastoral da Igreja. Assim escreve a constituição dogmática sobre a Sagrada Liturgia:
Restaure-se o catecumenato dos adultos, com vários graus, a praticar segundo o critério do Ordinário do lugar, de modo que se possa dar a conveniente instrução a que se destina o catecumenato e santificar este tempo por meio de ritos sagrados que se hão de celebrar em ocasiões sucessivas (Sacrosanctum concilium, #64).
O catecumenato de adultos é um processo da Igreja, inspirado no ministério pastoral de Jesus, sustentado pelo Espírito Santo, por meio do qual se quer espalhar o Evangelho pelo mundo. A Igreja existe para evangelizar, ou seja, para anunciar o Evangelho e o Reino, proclamado e realizado em Jesus Cristo.
O itinerário do catecumenato de adultos é dos meios para santificar o tempo presente com orações, bênçãos, escrutínios, exorcismos, entregas e ritos de passagem. “Aqueles que receberam de Deus por meio da Igreja a fé em Cristo, sejam admitidos ao catecumenato, mediante a celebração de cerimônias litúrgicas” (Ad gentes, #14). Fica evidente que no processo do catecumenato, ao mesmo tempo, o conteúdo de fé e a experiência celebrativa caminham por uma única e mesma rota.
“Esforcem-se também por estabelecer ou organizar melhor a formação dos catecúmenos adultos” (DC 2020, #14). O catecumenato é talvez o maior desafio de uma Igreja situada no mundo moderno com uma intensidade de relações virtuais e o encurtamento dos espaços de vivência. Não se trata apenas de uma realidade líquida ou subjetiva, mas de uma despersonalização da identidade e dignidade do ser humano. Porém, é o Evangelho que nos concede o sabor, o sentido e o vigor à pessoa humana.
“Dado que a missão ad gentes é o paradigma de toda a missão evangelizadora da Igreja, o catecumenato batismal, que lhe é inerente, é o modelo inspirador da sua ação catequizadora” (DGC, 1997, #90). O catecumenato é uma realidade rica, complexa e dinâmica na vida da Igreja. Sua característica fundamental é a gradualidade estruturada em três dimensões fortes. São momentos essenciais, diferentes em si e complementares. É importante frisar que não são meros passos ou momentos sucessivos tampouco somente dimensões do processo.
A dimensão querigmática no catecumenato de adultos consiste que por parte da Igreja há o constante anúncio da pessoa de Jesus. Por parte do Espírito Santo há no interlocutor o despertar à conversão. Por parte da pessoa humana, pela graça de Deus, floresce o desejo da busca, do desvendar e do amadurecimento. O interesse despertado ainda sem ser uma decisão estável e sólida, enfrentará processos de reflexão, desolação e adesão da fé. O Evangelho deve chegar em primeiro lugar na vida do iniciante. O primeiro anúncio é então uma dimensão que perpassa todos os tempos e etapas do itinerário catecumenal. É o elemento centrífugo do Ritual da Iniciação Cristã de Adultos.
Nem sempre se chega ao coração das pessoas pelas palavras ou discursos, no entanto sempre as inquieta quando os evangelizadores e catequistas se utilizam do testemunho e das ações gratuitas. O conhecido adágio querigmático atribuído a São Francisco de Assis poderá exemplificar essa dimensão particular do catecumenato da Igreja: “anuncie em todo momento, se necessário, use de palavras”. Da mesma forma afirma o apóstolo Paulo: como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão se não houver quem pregue?
Segundo, a catequese de iniciação está a serviço da profissão de fé, ou seja, o caminho pelo qual se deseja experimentar mais profundamente Jesus Cristo e confessá-lo com o ato de crer. É a dimensão confessional do processo catecumenal: dimensão catequético-instrutiva do conteúdo de fé e dos ritos litúrgicos. Participante na vida comunitária a pessoa inicia suas experiências com o conteúdo de fé, com os mistérios e ritos litúrgicos e com o exercício da caridade e fraternidade, ou seja, “inicia no conhecimento da fé e no aprendizado da vida cristã, favorecendo um caminho espiritual que provoca uma progressiva mudança de mentalidade e de costumes” (AG, #13). É o tempo de aprofundar e amadurecer a fé, confessando-a, sobretudo liturgicamente.
A mistagogia do agir do cristão é a dimensão centrípeta no qual o fiel batizado deve assumir o seu compromisso sacramental e missionário pondo-se a serviço da comunidade, das pastorais e dos movimentos da Igreja. A dimensão mistagógica do processo do catecumenato de adultos se inspira na mística evangelizadora que configurava a vida dos primeiros cristãos. Logo, o agir cristão será missionário se for mistagógico. É o agir mistagógico do cristão que dará resposta ao anseio de infinitude da pessoa humana e a busca de liberdade que existe em todo o coração humano.
Nas comunidades primitivas o catecumenato de adultos era o caminho eclesial, catequético e espiritual de aperfeiçoamento da conversão pessoal e inicial que chegava ao ápice na experiência sacramental da iniciação cristã. Na noite da Páscoa, a iniciação atingia o seu maior ato.
O catecumenato é uma instituição litúrgico-catequética que nasce e se consolida pela experiência desenvolvida dentro das comunidades cristãs a partir do fim do séc. II. Essa experiência se difunde, em todas as igrejas locais, durante o século III e a primeira metade do séc. IV. Sofre uma profunda transformação na segunda metade do séc. IV, mas, permanece vital durante o século V. Após este século entra em lenta decadência, vindo desaparecer completamente entre os séculos VII e VIII.
Ao explanar sobre os elementos fundantes do processo do catecumento de adultos nos primeiros tempos, o renomado catequeta brasileiro Pe. Luiz Alves Lima (2018, p. 34), assim escreve:
O complexo processo que, desde o século II, prevaleceu na Igreja para iniciar os novos membros nos mistérios da fé recebeu o nome de catecumenato: era um conjunto de pregação, práticas litúrgico-rituais, ensino, exercício de vida cristã e acompanhamento pessoal que levava a uma verdadeira conversão ao Evangelho e incorporação a Igreja.
O catecumenato no período antigo é uma prática que nasce das comunidades que se estavam implantando, se constituindo, e por essa razão, a iniciação dos catecúmenos e a perseverança dos iniciados era o fundamento da nova comunidade. O catecumenato contemporâneo, restaurado pelo Concílio Vaticano II, renasce em outra realidade: em uma estrutura eclesial consolidada com pastorais e movimentos, com intensa prática sacramental para as crianças, com ampla expressão do catolicismo popular e com diversas instituições católicas de educação na fé e promotoras da espiritualidade cristã.
O Concílio Vaticano II declara: “restaure-se o catecumenato dos adultos dividido em diversas etapas provocando uma progressiva mudança de mentalidade e de costume” (SC, 1997, #1). Na mesma Constituição Sacrosanctum Concilium, no número 64: “Restaure-se o catecumenato dos adultos, com vários graus, introduzindo-se seu uso segundo o parecer do Ordinário do lugar, de modo que o tempo do catecumenato, dedicado à conveniente instrução, possa ser santificado por meio de ritos sagrados que se hão de celebrar em ocasiões sucessivas”.
Sendo assim, em seis de janeiro de 1972, foi promulgado o Ritual de Iniciação Cristã de Adultos [RICA], 2001, que se configura como um itinerário de iniciação. O catecumenato é tomado não como uma escola, mas como uma iniciação de discípulos que descobrem um caminho. Iniciava-se finalmente uma nova fase na história da catequética da Igreja.
Cabe ressaltar que no início do século XX, na França dos anos 40, apresentaram-se frutuosas experiências acerca do catecumenato de adultos. Não havia um itinerário definido e ordenado. Predominava a criatividade da comunidade e o senso pastoral. No entanto, com o nascimento das primeiras experiências catecumenais os líderes religiosos franceses se viram conscientes da necessidade de socializá-las (com a Igreja de Roma, Espanha, Alemanha, Bélgica, África), estruturá-las e em institucionalizar o processo catecumenal.
O Ritual da Iniciação Cristã de Adultos [RICA], 2001, portanto, indica os passos do processo catecumenal com ritos que marcam a passagem de cada etapa. Divide-se em quatro tempos: pré-catecumenato, catecumenato, purificação e iluminação e mistagogia e três etapas: celebração de admissão no catecumenato, celebração de eleição e inscrição do nome e celebração dos sacramentos na Vigília Pascal.
É o tempo de divulgação do catecumenato, de acolhida e do acompanhamento personalizado dos candidatos. Consiste no período que se “realiza a primeira evangelização voltada à conversão e se explicita o querigma do primeiro anúncio” (DC 2020, #63).
Na compreensão teológica e pastoral do catequeta Nery, o tempo do pré-catecumenato “é um período inicial, diretamente ligado ao que se poderia chamar de primeira evangelização, anúncio primeiro, querigma. Visa diretamente a possibilitar o encontro pessoal com Jesus Cristo e à conversão a ele” (Nery, 2019, p. 284).
Ouçamos a definição do próprio Ritual:
É o tempo da evangelização em que, com firmeza e confiança, se anuncia o Deus vivo e Jesus Cristo, enviado por ele para a salvação de todos, a fim de que os não-cristãos, cujo coração é aberto pelo Espírito Santo, creiam e se convertam livremente ao Senhor, aderindo lealmente àquele que, sendo o caminho, a verdade e a vida, satisfaz e até supera infinitamente a todas as suas expectativas espirituais (RICA, 2001, #9).
O intuito nesta fase é evitar o uso de temários teológico-doutrinais. É tempo de iniciar a experiência com o Evangelho. “É tempo de descobrir a pessoa de Jesus Cristo e n’Ele alicerçar o sentido da vida, manifestação de um chamado profundo à conversão” (Micheletti, 2007, p. 100).
É o período em que os candidatos ou simpatizantes à vida cristã serão acompanhados pelos introdutores. O Concílio Vaticano II corajosamente resgata esse antigo ministério no agir catequético da Igreja. Estes ajudarão os candidatos a darem seus primeiros passos no caminho da fé ao encontro do Senhor. “É preciso haver um introdutor-acompanhante pessoal que, em nome da comunidade, acolhe o interessado e lhe faz a comunicação dos elementos básicos da fé, mediante contatos informais, disponibilizando-se para o diálogo, a reflexão, a informação e a oração” (Nery, 2019, p. 285).
O documento de estudos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ao propor reflexões acerca do catecumenato de adultos, afirma que “não se deve ter pressa para a passagem do pré-catecumenato para o catecumenato. Deve-se esperar o tempo necessário para que os candidatos confirmem suas disposições, manifestem a fé inicial, apresentem sinais de adesão a Jesus Cristo, portanto, de conversão” (CNBB 97, 2010, #125).
Uma primeira grande celebração marca a admissão dos candidatos ao catecumenato. Eles são marcados com o sinal da cruz de Cristo, são convidados a entrar na Igreja e a receber a Bíblia como sinal de ouvintes da Palavra de Deus. Algumas considerações importantes:
A celebração de entrada no catecumenato é uma ação litúrgica “marcada pelos elementos fundamentais que caracterizam o início do caminho de fé que a Igreja, representada pela comunidade catecumenal, oferece aos candidatos” (Lelo, 2005, p. 57).
Ademias, essa é uma das curiosidades do novo processo catecumenal restaurado pelo Concílio Vaticano II, ou seja, o catecúmeno será, pois, contado entre os cristãos embora deva esperar o batismo para ser membro do corpo místico de Cristo. “O candidato já é membro da comunidade, um cristão, embora ainda catecúmeno, e participa de muitos anos da Igreja, menos da Eucaristia, se ainda não se fez a primeira Eucaristia. E os catecúmenos já devem cooperar na evangelização e na edificação da comunidade eclesial” (Nery, 2019, p. 289).
É tempo de contato, estudo e aprofundamento do conteúdo de fé. “É um espaço de tempo em que os candidatos recebem formação e exercitam-se praticamente na vida cristã” (RICA, 2001, # p.19). O catecumenato não é um tempo de lições doutrinárias ou da infusão de uma moralidade controladora. É a fase da experiência comunitária e catequética pela qual o catecúmeno ou o catequizando vivenciará “progressivamente a prática de vida de discípulo de Jesus Cristo e interiorizando-se progressivamente no modo de pensar e agir cristãos, coerentemente com os valores do Evangelho” (Micheletti, 2007, p. 100).
Os conteúdos da catequese catecumenal devem seguir uma hierarquia de verdades que atenda à integridade da mensagem cristã. Segundo o teólogo T. Paro (2019, p. 20), a novidade do tempo do catecumenato com adultos consiste no fato de esse tempo poder “prolongar-se por vários anos, a fim de garantir uma sincera conversão dos catecúmenos e o amadurecimento da fé”. Os conteúdos de fé não devem ser moralizantes ou transmitidos de modo fundamentalista, mas devem ser conduzidos no diálogo e numa postura positiva da transmissão dos dados da fé. “Requer uma catequese mais intensa e em etapas, na qual se desenvolvam as dimensões: doutrinal, moral e litúrgica” (Paro, 2019, p. 20).
Além dos encontros temáticos, este tempo também inclui celebrações que podem ser realizadas em algum momento especial ou após os encontros, dependendo de como foi elaborado o projeto paroquial. O Ritual da Iniciação Cristã de Adultos [RICA], 2001, recomenda a realização de celebrações da Palavra seguidas de bênçãos, para gravar o ensinamento recebido nos corações, para enriquecer a espiritualidade dos catecúmenos e inseri-los na liturgia.
Sugere-se que as celebrações da Palavra seguidas de uma benção com imposição de mãos (que pode ser realizada pelo próprio catequista), sejam integradas aos encontros catequéticos, reforçando assim, a dimensão orante da Palavra. Sobre as celebrações da Palavra pode-se consultar o RICA #100; #106-108 e sobre as bênçãos o RICA #119-121; #374 [122-124].
O Ritual apresenta a possibilidade de realizar entregas dos símbolos no tempo do catecumenato, como ritos de transição entre os blocos temáticos (cf. RICA, #53; #65; #125-126). Duas entregas são prescritas: a) Entrega do Símbolo (cf. RICA, #183-187). b) Entrega da Oração do Senhor (cf. RICA, #188-192).
O tempo do catecumenato “é tomado não como uma escola, mas como uma iniciação de discípulos que descobrem um caminho” (Lelo, 2005, p. 50). O Concílio Vaticano II conseguiu resgatar a compreensão bíblica da catequese de iniciação, ou seja, o tempo de catequese propriamente dita, “mais do que ser doutrinária, é enfocado como discipulado, cuja característica principal consiste em adquirir um modo de ser e de viver consonante ao de Jesus” (Lelo, 2005, p. 50).
Portanto, a dimensão celebrativa do itinerário de iniciação de adultos em seu todo é uma das maiores originalidades do magistério conciliar. No término do tempo do catecumenato, ao começar o tempo litúrgico da Quaresma, que é o tempo da preparação próxima da iniciação cristã, celebra-se o Rito da Eleição ou inscrição do nome.
Após se ouvir o testemunho dos padrinhos e catequistas e, depois, que os catecúmenos reafirmaram sua vontade de seguir adiante no caminho da fé, julga-se o seu estado de preparação e a Igreja determina se podem aproximar-se dos sacramentos da iniciação cristã na celebração da Páscoa que se aproxima.
Reza-se pelos eleitos, para que a Igreja os conduza ao encontro do Cristo. Convém ainda conforme orienta o Ritual levar em consideração os seguintes elementos:
Com a segunda etapa ou celebração do itinerário do catecumenato “dá-se início ao tempo de purificação e iluminação, coincide com o início da Quaresma” (Tokarski, 2022, p. 14). É profundamente marcado pelas celebrações do Mistério Pascal, intensa preparação espiritual e “purificação o coração e espírito pelo exame de consciência e pela penitência” (RICA, 2001, #23).
É período pelo qual celebramos o conteúdo de fé e se faz a experiência mais intensa com o mistério de Cristo. O eleito “irá paulatinamente percebendo e acolhendo a relação dinâmica que existe entre Palavra anunciada e o gesto litúrgico” (Micheletti, 2007, p. 100). Aprofundará intensamente a experiência iniciática em Cristo pela oração, penitência, caridade, bênçãos, escrutínios, exorcismos, momentos de entrega e unções sacramentais.
No tempo da purificação e iluminação realizam-se, sobretudo, os escrutínios. São ritos que completam a preparação espiritual dos eleitos.
A finalidade dos escrutínios que se realizam por meio dos exorcismos é, sobretudo espiritual. O que se procura por eles é purificar os espíritos e corações, fortalecer contra as tentações, orientar os propósitos e estimular as vontades, para que os catecúmenos se unam mais estreitamente a Cristo e reavivem seu desejo de amar a Deus (RICA, 2001, #154).
São três os escrutínios e devem ser celebrados no 3º, 4º e 5º domingos da Quaresma. Se motivos pastorais exigirem, podem-se escolher outros domingos ou dias de semana. Para cada escrutínio é oferecido um texto evangélico ligado à conversão, que corresponde aos três evangelhos do Ano A, que expressam as três dimensões da vida nova oferecida pelo Cristo: o Evangelho da samaritana (cf. Jo 4:5-42), faz descobrir que o catecúmeno deve se aproximar de Jesus, fonte de água viva; o Evangelho do cego de nascença (cf. Jo 9:1-41) convida o catecúmeno a entrar no reino da luz que é Jesus, renunciando ao pecado; e o Evangelho da ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11:1-45) mostra ao catecúmeno a vida com o Cristo como participante de sua ressurreição.
“A liturgia destaca as metáforas dos textos bíblicos quaresmais relacionadas ao ver, à vida nova, à ressurreição. Há diversos ritos, ao longo desse tempo, como o éfeta (abrir-se ao Senhor, libertar-se), o escrutínio (deixar-se escrutar intimamente por Deus, avaliação, eleição)” (Nery, 2019, p. 289-290).Nessas celebrações dos escrutínios acontecem os exorcismos. São orações de benção, cura e libertação dirigidas inicialmente a Deus Pai.
Em seguida, acompanhada pelo gesto de imposição das mãos, é dirigida a Jesus Cristo. Esse rito expressa que toda libertação do mal se realiza mediante o poder de Cristo. É necessário que os eleitos progridam do primeiro ao último escrutínio, na consciência de pecado, na constância da conversão e no desejo de salvação.
Por fim, os ritos de preparação imediata (cf. RICA, #194-207) são ritos de recolhimento e oração para uma melhor preparação dos eleitos para a celebração do Sábado Santo. Convém que os eleitos façam do Sábado Santo um dia de preparação pessoal para os sacramentos. Compõem-se dos seguintes ritos: ritos iniciais, Liturgia da Palavra, recitação do Símbolo, rito do Éfeta, escolha do nome cristão, rito da unção. Convém que essa celebração seja realizada preferencialmente na manhã do Sábado Santo, por um presbítero ou diácono. A escolha do nome cristão prevista no Rito, a critério pastoral poderá ser omitida. A unção pré-batismal ocorre apenas aos não-batizados.
Segundo a Tradição da Igreja, é costume celebrar os sacramentos da iniciação cristã de adultos, na noite da Vigília Pascal. “Seja a Vigília Pascal considerada como o tempo próprio para a iniciação nos sacramentos. Contudo, não é proibido que os mesmos sacramentos, por motivos pastorais, sejam celebrados fora desse tempo” (RICA, #8).
É a terceira grande celebração do itinerário catecumenal. “Os eleitos, tendo recebido o perdão dos pecados, são incorporados ao povo de Deus, tornam-se seus filhos adotivos, são introduzidos pelo Espírito, na prometida plenitude dos tempos e ainda, pelo sacrifício e refeição eucarística, antegozam o Reino de Deus” (RICA, #27).
Como de costume, os sacramentos são celebrados após a benção da água. Nesta benção se recorda o mistério do amor de Deus, manifestado nas maravilhas realizadas por Ele desde o começo do mundo e da criação do gênero humano e tomamos consciência da renovação no banho do novo nascimento.
Antes da ladainha, os que serão batizados se aproximam da fonte batismal com seus padrinhos, e se colocam ao redor dela, de tal modo que não impeçam a vista dos fiéis. O presbítero que batiza o adulto também lhe confere o Sacramento da Confirmação (cf. RICA, 2001, #46). Quanto aos catequizandos que já receberam o Batismo e participaram do itinerário catecumenal, estes não participam dos ritos batismais, a não ser juntamente com toda a assembleia na hora da renovação do Batismo. Admite-se que sejam confirmados pelo presbítero e recebam a Eucaristia no mesmo Rito.
O resgate da unidade dos sacramentos do itinerário de iniciação à vida cristã com adultos é sem sombra de dúvidas um dos tesouros teológicos, pastorais e espirituais do Concílio Vaticano II. Concede-se, portanto no tempo da purificação e iluminação a etapa da celebração dos sacramentos de iniciação, ou seja, “com as celebrações e ritos próprios da Vigília Pascal, durante a qual o catecúmeno recebe os três sacramentos da iniciação (batismo-crisma-Eucaristia), como expressão de mudança de vida, de que já se está iniciado, podendo participar do mystérion” (Nery, 2019, p. 290).
É último tempo da iniciação que acontece durante o tempo pascal. Não é a última fase do caminho de fé. Jamais se encerra o processo de discipulado e seguimento de Jesus. “Obtém-se conhecimento mais completo e frutuoso dos mistérios através das novas explanações e, sobretudo da experiência dos sacramentos recebidos” (RICA, #p.38). Sendo assim, no tempo da mistagogia “realiza-se o aprofundamento nos elementos básicos da fé cristã, através, sobretudo, de encontros catequéticos e celebrativos e por meio da participação na vida e missão da comunidade” (Nery, 2019, p. 290).
É o tempo de mergulho no mistério do sacramento celebrado. O neófito começa a “experimentar e compartilhar a eficácia dos sacramentos iniciáticos celebrados e do caminho percorrido com Cristo na Igreja” (Micheletti, 2007, #p.101). O lugar primordial da mistagogia são as missas dos domingos do Tempo Pascal, também chamadas de missas pelos neófitos. Ademais, “é o tempo de consolidar o sentido espiritual do encontro com o Senhor sentindo os efeitos da iniciação sacramental pelos gestos e sinais litúrgicos celebrando-os na comunidade de iniciados” (Tokarski, 2022, p. 15).
Os neófitos podem ser acolhidos na comunidade na missa da oitava de Páscoa, entrando com vestes brancas e velas, por exemplo, para serem solenemente apresentados e inseridos na comunidade. Seria muito indicado que os neófitos sejam convidados a uma participação ativa na comunidade com ações pastorais como que passem a fazer parte do grupo de introdutores.
“Apesar dos tempos anteriores também terem um caráter mistagógico por introduzirem no mistério de Cristo, esse tempo conduz ao mistério a partir da experiência espiritual dos sacramentos da iniciação e da comunidade” (Tokarski, 2013, p. 76). Enfim, “para encerrar o tempo da mistagogia, realiza-se uma celebração ao terminar o tempo pascal, até mesmo com festividades externas” (RICA, 2001, #27).
A recuperação do caráter mistagógico do itinerário de iniciação e o tempo de mistagogia como seu elemento indispensável foram pontos capitais na propagação da renovação catequética impulsionada pelo Concílio Vaticano II, pois, “quando a Igreja faz mistagogia, torna-se serva de Cristo mistagogo e dá ao cristão a capacidade de se tornar epópetes, uma testemunha ocular do mistério de Deus” (Boselli, 2014, p. 28), ou seja, “os neófitos alcançam condições de compreender o sentido teológico por trás dos ritos e símbolos, pois são estes que nos possibilitam tocar o mistério” (Paro, 2018, p. 35).
O teólogo catequeta Roland Lacroix (2014, p. 4) afirma que “o catecumenato foi entendido como um lugar de nascimento da Igreja, inclusive de construção da Igreja e crescimento da Igreja, a partir da experiência de conversão dos catecúmenos”.
Evangelizar constitui a vocação e natureza própria da Igreja que consiste em levar a Boa Nova a toda humanidade. Não significa prioritariamente levar uma doutrina, mas anunciar a Jesus Cristo e fazê-lo presença. Não haverá evangelização se não houver quem proclame o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o reino e o mistério de Jesus. A Igreja, em última análise, transmite a todas as gerações aquilo que foi revelado em Jesus Cristo.
Evangelizar consiste no fato de que Jesus seja encontrado, seguido, amado, testemunhado, adorado, anunciado e comunicado. “Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça e transmitir este tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos confiou ao nos chamar e nos escolher” (DA, #18).
O catecumenato da Igreja não se esgota em aplicar um programa ou projeto. Não se trata de determinar ações pontuais na comunidade. O catecumenato é, sobretudo um itinerário evangelizador da Igreja. É um compartilhamento da experiência do encontro com Cristo. “O discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro” (Discurso inaugural, #03).
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