Revista de Educación Religiosa, volumen III, nº 2, 2024, DOI 10.38123/rer.v3i2.475
Luciano Tokarski1
lucianotokarski@yahoo.com.br
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Resumo
O Concílio Vaticano II, as encíclicas sociais e os documentos da Igreja sobre a catequese apresentam a relação fundamental entre a catequese e a Doutrina Social. Os documentos de catequese, em especial os publicados no decorrer dos últimos anos, expõem com maior precisão e evidência essa relação teológica pastoral. Por meio do Magistério Social da Igreja, observamos o florescimento da dimensão social nos itinerários de catequese, consequentemente, a consciência de que a dimensão sociotransformadora é um elemento originalmente pertencente ao processo de iniciação diocesano ou paroquial. A catequese de iniciação se expressa com uma modalidade mais vivencial, integral e humanizadora, movendo-se em direção à transformação das carestias sociais. Além disso, especifica-se a abrangência da dimensão social da Igreja no exercício do ministério de catequista com possíveis atividades que envolvam a sociedade civil, ações sociais no território paroquial ou inclusive a participação em obras e organismos sociais da Igreja. A dimensão sociotransformadora ilumina a educação na fé e ajuda a analisar criticamente a realidade social dos interlocutores da catequese com seus condicionamentos econômicos, socioculturais, políticos e religiosos. Utiliza-se de pesquisa bibliográfica com uma leitura analítica de documentos oficiais da Igreja acerca da doutrina social e da catequese de iniciação.
Palavras-chave: catequese de iniciação, doutrina social, itinerário, ministério.
Resumen
El Concilio Vaticano II, las encíclicas sociales y los documentos eclesiásticos sobre la catequesis presentan una relación fundamental entre esta y la doctrina social de la Iglesia. Los documentos de catequesis, especialmente los publicados en los últimos años, exponen con mayor precisión y claridad esta relación teológicopastoral. A través del magisterio social de la Iglesia, se observa el florecimiento de la dimensión social en los itinerarios catequéticos, lo que evidencia la conciencia de que la dimensión sociotransformadora es un elemento intrínseco al proceso de iniciación diocesano o parroquial. La catequesis de iniciación se expresa de una manera más vivencial, integral y humanizadora, orientándose hacia la transformación de las carencias sociales. Además, se especifica el alcance de la dimensión social de la Iglesia en el ejercicio del ministerio catequético, abarcando posibles actividades que involucran a la sociedad civil, acciones sociales en el territorio parroquial e incluso la participación en obras y organizaciones sociales de la Iglesia. La dimensión sociotransformadora ilumina la educación en la fe y fomenta un análisis crítico de la realidad social de los interlocutores, teniendo en cuenta sus condicionamientos económicos, socioculturales, políticos y religiosos. Se ha realizado una investigación bibliográfica con una lectura analítica de los documentos oficiales de la Iglesia sobre la doctrina social y la catequesis de iniciación.
Palabras clave: catequesis de iniciación, doctrina social, itinerario, ministerio.
Abstract
The Second Vatican Council, the social encyclicals, and the Church’s documents on catechesis establish a fundamental relationship between catechesis and social doctrine. Catechetical documents, especially those published in recent years, explain this pastoraltheological relationship more precisely and clearly. Through the social doctrine of the Church, we observe the flourishing of the social dimension in the catechetical itineraries, and consequently the awareness that the sociotransformative dimension is an original element belonging to the diocesan or parochial process of initiation. Initiation catechesis expresses a more experiential, integral and humanizing modality, moving towards the transformation of social needs. It also specifies the scope of the Church’s social dimension in the exercise of the catechetical ministry, with possible activities in civil society, social actions in the parish area, or even participation in the Church’s social works and organizations. The sociotransformative dimension illuminates faith formation and helps to critically analyze the social reality of the interlocutors with its economic, sociocultural, political and religious conditions. Bibliographic research is used with an analytical reading of official Church documents on the Church’s social doctrine and initiatory catechesis.
Keywords: initiation catechesis, social doctrine, itinerary, ministry.
A dimensão sociotransformadora é fundamental na iniciação à vida cristã. Podemos compará-la a um livro que deve sempre palmear pelas mãos do catequista de iniciação. Ele contém os rabiscos da vida, da família, da cultura, da educação, da sexualidade, das relações sociais, do ambiente social e da comunidade eclesial. Ele deve ser lido com os lábios da sensibilidade, com o coração da fraternidade e manuseado com as mãos do mandamento da caridade.
Desde os primórdios da Igreja, os catequistas, mulheres e homens leigos, discípulos missionários de Jesus, assumem a missão de servidores da trans formação na Igreja e na sociedade. Seu ministério se inspira no ministério messiânico de Jesus no anúncio do Evangelho da caridade. Jesus anunciou o Evangelho da caridade e atuou em favor dos menos favorecidos.
A catequese é o processo da fé que se move e se transforma. Move se com as pernas da Palavra e da Liturgia. Transforma-se com mãos do Magistério e da Doutrina Social. O Catecismo da Igreja Católica ressalta que “os problemas socioeconômicos só podem ser resolvidos com o auxílio de todas as formas de solidariedade: solidariedade dos pobres entre si; dos ricos e dos pobres; dos trabalhadores entre si; dos empregadores e dos empregados, na empresa” (CIC, #1941). A catequese inicia à dimensão sociotransformadora, ou seja, às diversas formas de solidariedade e fraternidade.
Sendo assim, este artigo pretende apresentar algumas intuições teológicas dos documentos oficiais da Igreja, em especial as encíclicas sociais e os documentos sobre a catequese, que corroboram para a reflexão e a relação fundamental entre catequese de iniciação e Doutrina Social da Igreja além de elencar alguns elementos da dimensão sociotransformadora que podem ser incorporados no exercício do ministério do catequista.
O Concílio Vaticano II renovou significativamen te o agir da Igreja diante da ascensão das crises da sociedade moderna. Passava-se de uma eclesiologia emaranhada de privilégios, honrarias e proeminên cias para uma Igreja mais acolhedora, samaritana e servidora, Igreja discípula missionária de Jesus, pobre com os pobres.
Naturalmente esse olhar renovado da Igreja desper tou novos caminhos eclesiais para evangelizar, sobretudo na catequese de iniciação. Não há espe cificamente um documento conciliar que descreva o processo de iniciação da Igreja, porém, de alguma forma, todos os documentos tocam, indiretamente, na temática da iniciação à vida cristã e sua relação com as diversas categorias sociais.
Por conseguinte, a catequese de iniciação tomou novos rumos iluminados com uma eclesiologia e cristologia sensíveis pela situação social precária vivida pelas pessoas. O movimento conciliar impul sionanos a considerar a dimensão social de todos os interlocutores e, de modo preferencial os pobres. Não se pode mais elaborar e propor processos de iniciação sem levar em consideração a dimensão situacional, transformadora, libertadora e religiosa do povo de Deus.
A exortação apostólica Evangelii nuntiandi do Papa Paulo VI (1975) sobre a evangelização no mundo contemporâneo afirma que a catequese deve tomar “laços daquela ordem eminentemente evangélica
qual é a ordem da caridade” (EN, #31). Evidente mente ainda de forma muito restrita percebese a preocupação magisterial com a dimensão social na catequese de iniciação. “Os métodos, obviamente, hão de ser adaptados à idade, à cultura e à capaci dade das pessoas” (EN, #44), ou seja, um itinerário catequético que leve em consideração a realidade social dos catequizandos, dos catecúmenos e suas famílias.
É interessante perceber o desenvolvimento teológi co da dimensão social da catequese nos Diretórios promulgados pela Santa Sé. No primeiro Diretório, de 1971, promulgado pela antiga Sagrada Congregação para o Clero, de forma muito superficial, se escreve sobre a dimensão social na catequese de iniciação. Não há nenhum tópico em específico sobre o tema social, tampouco se usa a expressão doutrina social da Igreja ou dimensão social da cate quese. Porém, destacamos os números seguintes: o número 23 afirma que “a catequese deve promover e iluminar o desenvolvimento da caridade teologal, seja em cada fiel individualmente, seja nas comu nidades eclesiais, bem como as obras que brotam desta virtude nos deveres de cada indivíduo e da comunidade” (DGC 1971, #23); o número 64, sobre a perfeição da caridade pela qual catequese também significa “aceitar e traduzir na vida prática, como mandamento novo, o preceito do amor”, ou seja, as obras sociais são como que a alma da catequese de iniciação; e o número 75, afirma que a catequese de iniciação deve “despertar para a atividade de fé [...] uma pedagogia que favoreça a resposta ativa dos catequizandos, corresponde ao estado ordinário da vida cristã [...] pela aceitação de responsabilidade na Igreja e na vida social, pela prática da caridade”.
Observamse nos números citados apenas indícios sobre a relação evangelizadora entre catequese de iniciação e dimensão social da Igreja. De fato, o diretório de 1971 sinaliza para uma catequese vivencial e sóciocaritativa, no entanto não faz referência direta à sobre a dimensão sociotransformadora na catequese de iniciação. O Diretório aponta para uma catequese que demonstra não ser a Igreja algo estranho às vidas de catequizandos e catecúmenos, mas que tem responsabilidade social e caminhos para transformar a vida precária de uma pessoa. Recordemos que a preocupação fundamental do Diretório de 71 era apresentar linhas gerais para a metodologia catequética e para a consolidação da organização da reforma pastoral da catequese. Tinha-se ainda muito receio nos documentos da Igreja em confundir o socialismo político com a Doutrina Social da Igreja.
Em 1983, a CNBB ―Conferência Nacional dos Bispos do Brasil― publicou o primeiro documento pastoral específico, para a Igreja do Brasil, sobre catequese de iniciação, intitulado Catequese renovada. Foram anos de consultas às bases, de debates teológicos e de revisões do caminho a se oferecer. Porém, sem sombra de dúvidas, o documento Catequese renovada introduziu no processo catequético o conceito pastoral de ações evangélico-transformadoras ou a dimensão sociotransformadora, como descaracterização do tradicional conceito de atividades pedagógicas.
Os planos de atividades transformadoras e educativas visam à educação para um novo modo de agir e viver, em que a reflexão e informação constituem elementos de um todo muito mais amplo. Não estão presos a uma ordem fixa. Não fornecem nem supõem respostas préfabricadas. Estimulam a criatividade, a busca comunitária da experiência de Deus e a descoberta e vivência de sua mensagem. (CR, #157)
Ademais insiste o documento Catequese renovada, que, sobretudo para “aprender a viver e atuar como cristãos, agentes de transformação [...] é importante que, adolescentes e jovens, realizem ações transformadoras no seu ambiente específico” (CR, #137). As atividades evangélico-transformadoras podem ser realizadas na própria comunidade eclesial ou na sociedade civil em geral.
No número 74, o documento Catequese renovada traz uma afirmação categórica e essencial, dizendo que “as situações históricas e as aspirações humanas são parte indispensável do conteúdo da catequese”. A catequese deve ser fiel também à realidade de vida dos seus catequistas e catequizandos. Tudo o que é assumido da realidade social humana pela catequese é redimido pela salvação integral do ser humano em Cristo, ou seja, “a catequese, além de uma sólida fundamentação da fé, seja capaz de ajudar o cristão a converter-se e a comprometer-se no seio da comunidade cristã para a transformação do mundo” (CR, #13).
A dimensão sociotransformadora na catequese de iniciação leva-nos a considerar uma atenção aos que ficam à margem da vida com “penúrias, doenças crônicas e endêmicas, analfabetismo, pauperismo, injustiças nas relações internacionais, situações de neocolonialismo econômico e cultural. Todas as formas de pobreza não apenas econômica, mas também cultural e religiosa preocupam a Igreja” (DGC 1997, #103). Há muitas formas de violência com nossos catequizandos, agressividades entre esposos, exploração sexual infantil, acessibilidade à drogadição e inclusive distanciamento da Igreja dessas realidades. O Papa Francisco no dia 19 de novembro de 2017 em sua mensagem para o I Dia Mundial dos Pobres dissenos palavras chocantes:
Interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas e a prisão, pela guerra, pela priva ção da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de trabalho, pelo tráfico de pesso as e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada. A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. (Francisco, 2017, p. 1)
Especificamente, a catequese de iniciação envolve famílias, adultos, jovens, crianças, catequistas, catecúmenos, introdutores, padrinhos e madrinhas, são tantos cristãos, que por meio de um processo de iniciação, com maior caráter social, podem concretizar ações transformadoras. A catequese ao dar atenção à dignidade humana, deve também fazer objeto de reflexão o grave problema da baixa autoestima, da depressão, do vazio existencial, do isolamento social, da automutilação, das tentativas de suicídio, da drogadição etc., que vivem muitos adolescentes e jovens crismandos.
Em suma, a catequese de iniciação, se estiver decididamente com características sociocaritativas cumprirá o mandato social de Jesus: “tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me acolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e vistes verme” (Mt 25:35-36).
Na exposição introdutória do Diretório de 1997 encontramos a seguinte afirmação: “por meio da catequese, na qual o ensinamento social da Igreja ocupe o seu lugar, ela deseja suscitar no coração dos cristãos o empenho pela justiça e a opção ou amor preferencial pelos pobres, de modo que a sua presença seja realmente luz que ilumina e sal que transforma” (DGC 1997, #17). Do Diretório de 71 para o Diretório de 97 observa-se uma leve incisão do tema do ensinamento social da Igreja no processo de iniciação. Entende-se que opção preferencial pelos pobres é também opção evangelizadora no processo de iniciação.
Em seguida, no primeiro capítulo, no número 58, o diretório de 97 descreve três situações sociorreligiosas diante da nova evangelização. Não se trata propriamente de elementos de uma prática social que podem compor o itinerário catequético, mas de grupos socioculturais oportunos para a ação evangelizadora. A preocupação primordial é destacar a missão ad gentes em novos ambientes e realidades sociais. No entanto, é insuficiente apenas o conhecimento dos novos areópagos de evangelização da Igreja. O Diretório poderia apresentar elementos práticos da dimensão evangélico-transformadora da Igreja que, com discernimento da Igreja Local, poderiam ser inseridos no processo de iniciação, pois a catequese de iniciação deve ser propulsora do desenvolvimento social do ser humano e seu itinerário deve traduzir o agir mistagógico dos iniciados com aqueles que a sociedade exclui e descarta.
Ademais, destacamos no primeiro capítulo da segunda parte do Diretório de 97, o número 103, alguns parágrafos teologicamente bem escritos sobre a mensagem de libertação. Afirma o Diretório: “a mensagem de libertação não pode ser limitada à simples e restrita dimensão econômica, política, social e cultural; mas deve ter em vista o homem todo, incluindo a sua abertura para o absoluto, mesmo o Absoluto de Deus”. Observa-se que o Diretório de 97 recolhe a citação do Papa Paulo VI na Evangelii nuntiandi. A Igreja ao se preocupar com a catequese de iniciação decididamente leva em consideração a dimensão integral da pessoa humana. É curioso observar que os documentos sobre catequese sempre trazem o tradicional tópico acerca da catequese sobre as idades não unicamente para diferenciar metodologia, itinerário ou exercício ministerial, mas também para levar em consideração a dimensão social, cultural, religiosa, econômica e psicológica em cada fase do desenvolvimento da pessoa humana.
O Papa João Paulo II em sua carta encíclica Redemptoris missio (1990) afirma que os catequistas são muitas vezes “os animadores da oração, chefes de comunidades eclesiais de base e grupos bíblicos; encarregados das obras caritativas; administradores dos bens da Igreja; dirigentes das várias associações de apostolado” (RM, #74). O conteúdo da catequese de iniciação e o exercício do ministério de cate quista “tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade” (Evangelii gaudium, #177). Na exortação apostólica Evangelii gaudium (2013) sob a mesma direção afirma o Papa Francisco que “a própria beleza do Evangelho nem sempre a conseguimos manifestar adequadamente, mas há um sinal que nunca deve faltar: a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e lança fora” (EG, #195). De alguma forma o Diretório de 97 inspira-se no documento do Papa João Paulo II dos anos 90 e o Papa Francisco carrega em suas reflexões a tradição catequética social do Diretório de 97.
O Compêndio da Doutrina Social da Igreja (2011) é contundente ao abordar a relação intrínseca entre catequese de iniciação e Doutrina Social da Igreja. O processo catequético é fundamental para o ensino sociotransformador da Igreja.
O valor formativo da doutrina social se reconhece melhor na atividade catequética. [...] no seu serviço de educação à fé a catequese não deve omitir, mas esclarecer como convêm algumas realidades, como a ação do homem para sua libertação integral, o empenho na busca de uma sociedade mais solidária e mais fraternal e as lutas pela justiça e pela construção da paz. Para este fim é necessário oferecer uma apresentação integral do Magistério social, em sua história, nos seus conteúdos e em suas metodologias. (CDSI, #529)
A dimensão sociotransformadora na catequese de iniciação não é a tentativa de imposições ideológicas políticas tampouco a captura de agentes para o renascimento do limitado assistencialismo social. “A catequese social visa à formação de homens, que sejam amantes da genuína liberdade, que julgam as coisas com critério próprio e à luz da verdade” (CDSI, #530). Uma catequese de iniciação com caráter social poderá inspirar, em seus interlocutores, ações humanas honestas, justas, verdadeiras, responsáveis e saudáveis.
O novo Diretório para a Catequese, o primeiro a ser publicado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, dedica o capítulo VIII à catequese e sua relação com as diversas situações de vida. A novidade do Diretório foi a inserção de uma catequese com as pessoas migrantes, emigrantes e marginalizadas. Percebemos os efeitos no último Diretório para a catequese das iniciativas do Papa Francisco com os mais vulneráveis. Contudo, é no capítulo X, sobre a catequese diante dos cenários culturais contemporâneos, que encontraremos a abordagem teológica da relação entre a catequese de iniciação, Doutrina Social da Igreja e contextos socioculturais.
A catequese tem uma intrínseca dimensão cultural e social, uma vez que se encontra em uma Igreja inserida na comunidade humana. A missão de ler os sinais dos tempos está sempre viva, especialmente neste tempo, percebido como um ponto de virada epocal e marcado por contradições e, ao mesmo tempo, por anseios de paz e justiça, de encontro e solidariedade. A catequese participa do desafio eclesial de se opor a processos centrados na injustiça, na exclusão dos pobres, na primazia do dinheiro, de modo a, antes, tornar-se sinal profético de promoção de vida plena para todos. (DC 2020, #319)
Evidentemente no processo de iniciação é preciso levar em consideração os contextos sociais de pluralismo e complexidade, de relativismo e polarização. “Crescem formas de indiferença e insensibilidade religiosas, relativismo ou sincretismo no contexto de uma visão secularista” (DC 2020, #322). É indiscutível que as novas relações de comunicação atual possam ser impactadas pelas alienações, alterações e falsificações feitas pelas pessoas. Novos modelos culturais são formados pela cultura digital e sem a presença da fé cristã. “Devem ser evitados fecha mentos ou condenações prévias, bem como julga mentos simplistas ou pedantes” (DC 2020, #333). Na relação catequese e ciência afirma o Diretório que “o catequista levará em consideração a influência que a mentalidade científica exerce sobre as pessoas muitas vezes persuadidas por algumas teorias apresentadas de modo superficial” (DC 2020, #357).
O âmbito do cuidado da casa comum também se está contemplado no Magistério Social da Igreja. O Papa Francisco (2015) nos apresenta uma visão antropológica integradora e integral, afirmando que não há duas crises globais: “uma social e outra ambiental, mas uma única e complexa crise socioambiental” (Laudato si’, #139). Somos nós seres humanos os causadores da crise socioambiental. Portanto, “a catequese terá primeiramente o cuidado de ajudar os fiéis a se conscientizarem de que o compromisso com a questão ecológica é parte integrante da vida cristã” (DC 2020, #384). A administração responsável da nossa casa comum é um ato de comunhão com Deus, com o outro e com a nossa própria identidade. Não há uma fé salvífica que não salve todas as coisas criadas. “A salvação do homem não pode ser separada da salvação do meio ambiente”, afirma o teólogo Garcia Rubio (2001, p. 551). “Trata-se de favorecer a aquisição de uma atitude e de comporta mentos atentos à ecologia integral, [...] e da Doutrina Social da Igreja: ecologia ambiental, econômica, social e política; ecologia cultural; ecologia da vida cotidiana” (DC 2020, #383).
O novo Diretório apresenta ainda a temática do compromisso social para o qual “tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais” (EG, #180) e a questão opção pelos pobres:
A catequese, com a ajuda da Doutrina Social da Igreja e adaptando as propostas à condição dos sujeitos, dá possibilidade a um olhar evangélico sobre a realidade e conscientiza sobre a existência de estruturas de pecado, que têm impacto negativo sobre o tecido social e no meio ambiente. Além disso, motiva os fiéis a agir pelo bem comum, seja na esfera de seu cotidiano, seja em maior escala, no compromisso social e político mais direto. (DC 2020, #390)
O compromisso sociotransformador é parte integrante do caminho de iniciação e aprofundamento da fé. O Papa Francisco afirma que “o amor pela sociedade e o compromisso com o bem comum são uma forma eminente de caridade, que diz respeito não só às relações entre os indivíduos, mas também as macrorrelações, as relações sociais, econômicas e políticas” (LS, #231). No processo catequético não é o suficiente a mera transmissão dos ensinamentos religiosos ou o conhecimento de alguns poucos conceitos doutrinais, o ensino da fé no processo catequético deve se tornar educação integral que gere consequências concretas na vivência diária e desperte para o engajamento social, a promoção de várias formas de solidariedade e subsidiariedade.
Catequese e caridade são fundamentais para o desenvolvimento humano integral. “A caridade social leva-nos a amar o bem comum e a buscar efetivamente o bem de todas as pessoas, consideradas não só individualmente, mas também na dimensão social que as une” (CDSI, #207). A caridade é o núcleo central do processo de iniciação à vida cristã, ou seja, a “catequese se deixa provocar pela pobreza, uma vez que ela é intrínseca à mensagem do Evangelho” (DC 2020, #388). A opção pelos pobres desperta para um compromisso catequético missionário: os pobres são nossos catequistas e, ao mesmo tempo, nossos catequizandos, somos chamados para curar suas feridas, mas também ser curados por eles. Os pobres são nossos educadores sociais e, ao mesmo, somos evangelizados por eles. “Pede-se, portanto, aos catequistas que sensibilizem, especialmente nas proximidades do Dia Mundial dos Pobres, para que a reflexão catequética seja acompanhada de um compromisso concreto e direto com sinais tangíveis de atenção aos pobres e aos marginalizados” (DC 2020, #388).
A opção preferencial pelos pobres e abandona dos impele-nos a libertá-los da opressão, da miséria material, das exclusões sociais, das rejeições no mercado de trabalho, da precária assistência médica e, ao mesmo tempo, defender seus direitos, dar-lhes lugares ativos na sociedade e na Igreja e não os considerar bárbaros ou selvagens sem civilização.
O Diretório Nacional de Catequese, documento aprovado pela 43a Assembleia Geral da CNBB, em 2005, e pela Congregação do Clero, em 2006, afirma que a catequese tem também “a missão de superar o racismo, a discriminação de gênero e de posição econômica e social, colaborando para a promoção da solidariedade” (DNC, #62). A catequese deve ser encarnada na história de maneira que contribua para a formação pessoal, comunitária, social, moral e ética dos cristãos. “A catequese suscita nos catequizandos a opção preferencial pelos pobres, que exige empenho pela justiça” (DNC, #103).
Por isso a importância de ouvir os sinais dos tempos das realidades precárias e de se usar um “olhar crítico e concreto a partir da realidade” (DNC, #158) dos catequizandos e suas famílias, dos catequistas e da comunidade. “A catequese motiva os catequizandos a conhecer e analisar criticamente a realidade social em que vivem, com seus condicionamentos econômicos, socioculturais, políticos e religiosos” (DNC, #158).
Por fim, o motu próprio Antiquum ministerium do Papa Francisco (2021), pelo qual se instituio ministério de catequista, apresenta-nos a urgência da escolha de catequistas que com sua vida diária penetrem os valores cristãos no mundo social, político e econômico, ou seja, catequistas capazes de contribuir com a transformação da sociedade. “Nos nossos dias, há muitos catequistas competentes e perseverantes que estão à frente de comunidades em diferentes regiões, realizando uma missão insubstituível na transmissão e aprofundamento da fé” (AM, #3). Catequistas em regiões de perseguição, em realidades de extrema pobreza; catequistas que doam dos seus recursos financeiros para que o seu catequizando possa comer durante a semana. Não se pode deixar de reconhecer o esforço que muitos catequistas e comunidades fazem para o desenvolvimento social integral, sobretudo de crianças e adolescentes. A dimensão social da Igreja que ela recebeu do mandato de Jesus é praticada no exercício do ministério de muitos catequistas.
O Magistério do Papa Francisco nos seus últimos dez anos apresenta-nos um novo paradigma na Doutrina Social da Igreja. A escolha do nome Fran cisco é um programa de kenosis do primado papal. O próprio Papa Francisco relata como se realizou a escolha do nome. “Não se esqueça dos pobres”, após um abraço e um beijo, disse o Cardeal Hummes ao recém-eleito Cardeal Bergoglio. Bergoglio disse que essa afirmação entrou em sua cabeça. “Essa palavra entrou aqui: os pobres, os pobres. Logo pensei em Francisco de Assis e assim veio o nome no meu coração: Francisco de Assis. O homem da pobreza, o homem da fraternidade, o homem da paz, um homem que ama e cuida da criação.” (Hummes, 2013)
O Papa Francisco inaugura esse novo modelo teológico pastoral com a promulgação, em 2015, da carta encíclica Laudato si’. Em outubro de 2020, promulgou outra carta encíclica de grande relevância, Fratelli tutti, por meio da qual resgatou, enfatizou e aprofundou os temas centrais de seu Magistério Social. O Magistério Social do Papa Francisco contém ainda um largo conjunto de mensagens, homilias, catequeses e discursos, entre os quais, de modo particular, devem ser destacados os discursos pronunciados nos encontros, em 2014, 2015, 2016 e 2020, que foram organizados do Papa com os Movimentos Sociais. Ressaltamos as inúmeras viagens solidárias, fraternais e ecumênicas realizadas pelo Papa Francisco.
Ademais, destacamos apenas três implicações pertinentes do novo paradigma social do Papa Francisco que podem ser contempladas também na dimensão sociotransformadora da catequese de iniciação. O paradigma social do Papa Francisco deve inspirar novos caminhos de catequese de iniciação.
Em primeiro lugar, a catequese de iniciação deve considerar a crise socioambiental. “A destruição do meio ambiente significa a destruição do homem” (Garcia Rubio, 2001, p. 541). O Papa Francisco considera que “devemos de igual modo dirigir este cuidado à nossa casa comum: a terra e a cada criatura. Todas as formas de vida estão interligadas e a nossa saúde depende da saúde dos ecossistemas que Deus criou e dos quais Ele nos encarregou de cuidar” (Gn 2:15). A administração responsável da nossa casa comum é um ato de comunhão com Deus, com o outro e com a nossa própria identidade. Não há uma fé salvífica que não salve todas as coisas criadas. “A salvação do homem não pode ser separada da salvação do meio ambiente”, (2001, p. 551), afirma o teólogo Garcia Rubio.
Em segundo lugar, a catequese de iniciação deve considerar as condições precárias dos seus interlocutores, sobretudo os pobres. O Magistério do Papa Francisco é constituído a partir da escolha preferencial pelos pobres. Segundo o teólogo Aquino Junior, “os pobres e oprimidos são os destinatários privilegiados da salvação” (2017, p. 111), ou seja, a vida dos pobres e oprimidos é lugar de iniciação, de revelação, de santificação e de fé.
Em último lugar, apresentamos a efusão tecnocrata e os processos de novas redes de relações propostas pelo Papa Francisco. A questão da tecnocracia segundo a qual a natureza é ilimitada, inesgotável, as suas extinções são fenômenos do próprio movi mento da natureza., que se reinventa e ela mesma se reordena: as tempestades, as mudanças climáticas, o derretimento das calotas polares e o desaparecimento de fontes de águas sempre aconteceram e acon tecerão no futuro. A obsessão é de que a técnica, o ato de manipular, está acima desse movimento da criação. Logo, o ser humano poderá explorá-la com os recursos mais inovadores possíveis. Uma “visão científica das sociedades industriais gera uma noção antropológica dominadora e depredadora; com relação aos povos colonizados e originários, oprime, coisifica e desqualifica” (PEDROSA, 2020, p. 139). Por outro lado, o Papa Francisco propõe incorporar uma visão mais integral e integradora nas relações socioambientais precisaremos, sobretudo, humanizar o ser humano em suas relações. O desenvolvi mento integral do ser humano construirá relações saudáveis e ecológicas.
Enfim, é preciso iniciar os “longos processos de regeneração” (LS, #202) e uma “relação originaria mente harmoniosa entre o ser humano e a natureza” (LS, #66) e entre catequese de iniciação e o novo paradigma social do Papa Francisco, sobretudo no protagonismo e cuidado do mais frágil.
O ministério de catequista é uma laboração destinada ao empenho de transformação da vida social não exclusivamente no âmbito religioso dos interlocutores. É força libertadora destinada às necessidades mais básicas da condição humana de vida. É serviço de inspiração e educação das consciências dos interlocutores do processo iniciático da Igreja para conduzi-los a perceber as exigências e responsabilidades da fé em âmbito pessoal e social.
O Papa Francisco afirma que cada ser humano tem direito a desenvolver-se integralmente, e esse direito básico não pode ser negado. O catequista por meio do exercício do seu ministério é capaz de promover o desenvolvimento social integral dos seus interlocutores. “Cabe à catequese ajudar na evolução integral do ser humano, dando-lhe seu autêntico sentido cristão, promovendo sua motivação nos catequizandos” (CELAM, Conclusões de Medellin, 1968, p. 85), seus familiares e catequistas.
O documento conclusivo de Medellín, com palavras que permanecem atuais, insiste que “a catequese não pode, pois, ignorar em sua renovação as mudanças econômicas, demográficas, sociais e culturais na América Latina” (p. 85). O catequista que negligencia as atuais mudanças climáticas, sociais, antropológicas e religiosas corre o risco de boicotar a integralidade do seu próprio ministério. Os discípulos no tempo de Jesus não eram desloca dos da realidade social na qual viviam e anunciavam o Evangelho tampouco eram desiludidos com a realização do Reino de Deus.
A seguir propomos três elementos fundamentais da dimensão social da Igreja que podem contribuir para o exercício do ministério de catequista. Evidentemente o itinerário catequético diocesano ou paroquial no qual constar esses elementos será capaz de expressar que o ministério de catequista é também ministério social da Igreja, ou seja, o serviço à Palavra torna-se logicamente serviço aos vulneráveis, preferencialmente aos pobres: “com toda certeza vos asseguro que, sempre que o fizestes para algum destes meus irmãos, mesmo que ao menor deles, a mim o fizestes” (Mt 25:40).
A renovação catequética proposta pelo Concílio Vaticano II decididamente rompe com um modelo manualístico de catequese. Desencadeia na tentativa da superação de uma catequese sufocada pelo sistema conteudista da fé para uma catequese integral e mistagógica que abarca todas as dimensões da fé e da vida humana.
A Igreja oferece para tanto “um novo modo de organizar o processo catequético: não mais como os tradicionais planos de aulas, mas através de um roteiro de atividades evangélico-transformadoras” (DNC, #152). As situações históricas, econômicas, políticas e as aspirações autenticamente humanas são parte indispensável do conteúdo da catequese. Não se cogita uma catequese deslocada da realidade social dos seus interlocutores.
A recente reflexão catequética reforça que não se pode reduzir a pastoral da catequese a uma pastoral de conservação ou a uma pastoral limitada em transmitir algumas lições religiosas. Não se pode negligenciar a Doutrina Social da Igreja no processo de iniciação à vida cristã, ou seja, o serviço ministerial do catequista implica necessariamente o exercício da caridade e de relações sociais sadias. Portanto, é fundamental implantar no processo de iniciação, em nível diocesano ou paroquial, um itinerário sociotransformador.
O itinerário educativo sociotransformador “vai além da simples transmissão de conteúdos doutrinais desenvolvidos nos encontros catequéticos” (DNC, #152). É um itinerário que propõe ações concretas em âmbito da caridade social: visitação aos doentes em hospitais, casas de repouso, orfanatos ou casas de recuperação de dependentes químicos; envolvimento dos catequizandos em parcerias com obras de caridade; participação em projetos sociais da diocese ou da paróquia; atividades de desenvolvi mento social para crianças carentes e profissionais para pessoas adultas desempregadas; colaborar no cadastramento das famílias carentes da comunidade, inclusive as da catequese; momento celebrativo do dia dos pobres com os catequizandos e catecúmenos; participação em atividades sociais com o povo da rua; envolvimento dos pais no serviço em casas de recuperação de dependentes químicos; arrecadação por meio dos catequizandos de alimentos e produtos para as diversas necessidades básicas e entre outros.
“Aproximar, expressar-se, ouvir, olhar, conhecer, esforçar-se por entender, procurar pontos de contato”, afirma o Papa Francisco (FT, #198): atitudes do catequista promotor do diálogo e da amizade social. Por meio de catequistas mistagogos e com boa formação na fé a Igreja tem condições de se envolver, ir ao encontro do outro, procurar os afastados, acompanhar com paciência seus iniciantes, procurar caminhos de relações e promover encontros que envolvem a todos.
Além do mais, o ministério de catequese se constitui com um caráter propriamente comunitário. Nenhum catequista exerce o seu serviço à luz do mandato de Jesus sem ajuda do outro. “O individualismo não nos torna mais livres, mais iguais, mais irmãos” (FT, #105). Não se deve ocultar o risco do individualismo ministerial. “A tendência humana constante para o egoísmo [...] a inclinação do ser humano a fechar-se na imanência do próprio eu, do seu grupo, dos seus interesses mesquinhos” (FT, #166). Servir com o outro e servir o outro são características inerentes na vocação do catequista. Significa estabelecer relações sadias, expressar-se com maturidade humana, partilhar dons e carismas, sentir-se responsável com a Igreja e pelo desenvolvimento do mundo, sobretudo defender os direitos dos mais frágeis da sociedade.
Para tanto, a tendência moderna das relações descartáveis é um perigo para a catequese iniciática. É a sensação de que tudo caminha para diluir-se e para a perda da consistência. Negligenciar os processos de iniciação, as formações para catequistas, as orientações diocesanas, a comunhão eclesial, o uso mistagógico dos subsídios catequéticos, o tempo catequético dos sacramentos de iniciação é uma espécie de um relativismo pastoral e “o relativismo não é a solução” (FT, #206). O relativismo corrói as relações saudáveis de diálogo e amizade social no mundo e os itinerários de iniciação da Igreja.
Ao redor do mundo é possível identificar a atuação da Igreja por meio de espaços que são os únicos na proteção e desenvolvimento do ser humano. Uma pequenina capela onde muitas crianças apreendem a ler e escrever. Uma casa onde os religiosos ou religiosas abrigam crianças órfãs ou desnutridas buscando dar-lhe a mínima condição humana. Uma vila com cristãos onde ainda se consegue conservar valores e manter a proteção frente a perseguições e a invasão tecnocrata. As obras e institutos sociais são também espaços de acolhida, de restauração e de promoção da vida humana. Em todos esses lugares busca-se a promoção do diálogo e amizade social. Em muitos desses espaços encontra-se a atuação missionária do catequista.
O ministério de catequista é um serviço gratuito ao outro. Sempre destinado ao outro. “O serviço nunca é ideológico, dado que não servimos ideias, mas pessoas” (FT, #115). Por conseguinte, o cate quista não é um militante sindicalista, partidário ou embrenhado de eufemismos agindo em nome da Igreja por meio do exercício do seu ministério. O catequista é semelhantemente a Cristo o servi dor de pessoas. Ser catequista trata-se de repetir as mesmas atitudes de Jesus de sempre querer o bem ao outro.
O princípio de interação fé e vida é por vezes um elemento esquecido nas recentes reflexões acerca da catequese de iniciação. Oculta-se a ideia de levar em consideração que o caráter mistagógico da catequese de iniciação é, sobretudo, a realização do princípio de interação fé e vida. A vida cristã é categoricamente estruturada pelo princípio fé e vida.
O Diretório Nacional de Catequese do Brasil sugere um novo modo de organizar o processo catequético: “textos e manuais dão orientações práticas de como operacionalizar o princípio de interação entre fé e vida” (DNC, #152).
Na catequese realiza-se uma inter-ação, ou seja, um relacionamento mútuo e eficaz entre a experiência de vida e a formulação da fé; entre a vivência atual e o dado da Tradição. De um lado, a experiência da vida levanta perguntas; de outro, a formulação da fé é busca e explicação das respostas a essas perguntas. De um lado, a fé propõe a mensagem de Deus e convida a uma comunhão com Ele; de outro, a experiência humana é questionada e estimulada a abrir-se para esse horizonte mais amplo. (DNC, #152)
Eis o axioma catequético metodológico: a lei da fé-lex fidei inter-relaciona-se com a lei da vida-lex vitae. A realidade da vida cria embates, expõe questões, rejeita caminhos, transmite experiências, identifica-se com os duelos, porém a realidade da fé integra as divisões, responde às questões da vida e da história, cria laços genuínos, traz à tona manifestações do sagrado. A elaboração da fé nunca está desconectada da experiência de vida.
O que se ensina é o que se crê e o que se crê é o que se viverá. “O mistério de Cristo anunciado na catequese é o mesmo que é celebrado na liturgia para ser vivido” (DNC, #154). Se houver dualismo entre fé e vida no itinerário catequético não haverá um processo integral e iniciático à vida de Jesus. “A catequese encontrou no princípio da interação fé e vida uma das chaves mais importantes para incultura-se na vida dos catequizandos, assumindo a realidade como parte do seu conteúdo” (DNC, #85). Vida e fé são realidades interligadas. A vida do catequizando é também conteúdo de fé.
Conforme aponta o novo Diretório para a Catequese, o encontro catequético deverá levar em consideração tudo o que o catequizando vivencia longe dos ambientes eclesiais. A vida social do catequizando é conteúdo perene para o exercício ministerial de catequista. Enfim, para compor em seu ministério esses três princípios fundamentais o catequista se comunicará com atitudes de acolhida, proximidade, leveza e assimilação da realidade social do catequizando.
A catequese de iniciação propõe-se inspirar os diver os processos evangelizadores da Igreja e, ao mesmo tempo, as angústias e feridas do ser humano em uma sociedade egoísta, autorreferencial e tecnocrática. A catequese de iniciação deve levar em consideração todas as mazelas, fraquezas, pobrezas e dualidades que estão presentes na vida social do ser humano.
O Papa João Paulo II no documento Centesimus annus (1991) afirma que “o desenvolvimento da doutrina da Igreja, em matéria econômica e social, atesta o valor permanente do ensinamento da Igreja e, ao mesmo tempo, o sentido verdadeiro de sua Tradição sempre viva e vital” (CA, #3). O ensino social da Igreja ao longo da história contribuiu para que a Igreja se tornasse mais autêntica no anúncio do Evangelho.
Ao largo dos últimos anos percebemos o crescimento da reflexão acerca da dimensão social da Igreja no processo de iniciação. Uma relação muito incipiente no primeiro Diretório que se tornou uma linha de evangelização inadiável e irrefreável para o último Diretório. Notamos o impulso que o Diretório de Catequese do Brasil deu à dimensão social da Igreja no processo de iniciação. Portanto, na atual reflexão catequética é impensável não levar em conta a Doutrina Social da Igreja. É bem provável que para a nova evangelização da Igreja o melhor caminho para se pensar seja a confluência dialógica dessas duas realidades: catequese de iniciação e dimensão social da Igreja.
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