Revista de Educación Religiosa, volumen III, nº 1, 2024
DOI 10.38123/rer.v3i1.427
Elza Ferreira da Cruz1
elzaferreiradacruz@gmail.com
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil
Resumo
Desde o Concílio Vaticano II, de Paulo VI a Francisco, a maior preocupação da Igreja se refere à evangelização. O Magistério de Francisco, no contexto da Nova Evangelização, busca revigorar a Igreja frente aos desafios da realidade contemporânea que, em muitos aspectos, pode ser considerada autorreferencial e fragmentada. A sinodalidade se apresenta como um resgate do dinamismo mais próprio da Igreja, a comunhão e a missão, e a catequese, ação educativa da fé, necessita estar em sintonia com o caminhar eclesial, pois é um serviço que colabora diretamente nos processos que a Igreja precisa desenvolver. Como a catequese, a partir de um novo paradigma, pode contribuir para a formação de uma mentalidade sinodal? O Magistério de Francisco convoca a catequese a uma dimensão mais querigmático-mistagógica, o que expande a sua atuação ao centrar-se na força anunciadora da Palavra que conduz ao Mistério, adentrando, assim, em um novo paradigma, a fim de formar discípulos missionários e contribuir na tarefa de formar uma mentalidade sinodal. Utiliza-se de pesquisa bibliográfica, com metodologia dedutiva, a partir da análise dos documentos do Magistério de Francisco, da Igreja Latino-americana, da Igreja do Brasil, além de livros, artigos na área da teologia sistemático-pastoral.
Palavras-chave: sinodalidade, catequese, querigma, mistagogia
Resumen
Desde el Concilio Vaticano II, de Pablo VI a Francisco, la mayor preocupación de la Iglesia ha sido la evangelización. El Magisterio de Francisco, en el contexto de la Nueva Evangelización, busca revitalizar la Iglesia frente a los desafíos de la realidad contemporánea que, en muchos sentidos, puede considerarse autorreferencial y fragmentada. La sinodalidad se presenta como un rescate del dinamismo, la comunión y la misión más propios de la Iglesia, y la catequesis, una acción educativa de la fe, debe estar en sintonía con el camino eclesial, ya que es un servicio que colabora directamente en los procesos que la Iglesia necesita desarrollar. ¿Cómo puede la catequesis, partiendo de un nuevo paradigma, contribuir a la formación de una mentalidad sinodal? El Magisterio de Francisco llama a la catequesis a una dimensión más kerigmático-mistagógica, que amplía su actividad centrándose en la fuerza de anuncio de la Palabra que conduce al Misterio, entrando así en un nuevo paradigma para formar discípulos misioneros y contribuir a la tarea de formar una mentalidad sinodal. Se utiliza la investigación bibliográfica, con metodología deductiva, a partir del análisis de documentos del Magisterio de Francisco, de la Iglesia Latinoamericana, de la Iglesia de Brasil, así como de libros y artículos en el ámbito de la teología sistemática-pastoral.
Palabras clave: sinodalidad, catequesis, kerigma, mistagogía
Abstract
Since the Second Vatican Council, from Paul VI to Francis, the Church's primary concern has been evangelization. The Magisterium of Francis, in the context of the New Evangelization, seeks to revitalize the Church in the face of the challenges of contemporary reality, which in many ways can be considered self-referential and fragmented. Synodality is presented as the salvation of the dynamism, communion and mission that are most characteristic of the Church, and catechesis, an educational action of faith, must be in harmony with the ecclesial journey, since it is a service that directly collaborates in the processes that the Church needs to develop. How can catechesis, starting from a new paradigm, contribute to the formation of a synodal mentality? The Magisterium of Francis calls catechesis to a more kerygmatic-mystagogical dimension, which expands its activity by focusing on the power of the proclamation of the Word that leads to the mystery, thus entering into a new paradigm to form missionary disciples and contribute to the task of forming a synodal mentality. It uses bibliographical research with deductive methodology, based on the analysis of documents from the Magisterium of Francis, the Latin American Church, the Church of Brazil, as well as books and articles in the field of systematic-pastoral theology.
Keywords: synodality, catechesis, kerygma, mystagogy
O presente artigo pretende refletir sobre a relação entre um novo paradigma na catequese e a formação de uma mentalidade sinodal. O Magistério de Francisco, seguindo uma linha programática, indica a emergência de uma Igreja sinodal como chave para desenvolvermos os princípios que levam ao coração do Evangelho e formar discípulos missionários. Evangelizar em um mundo tão individualista, no qual a vida fica em segundo plano, devido a uma mentalidade autorrefencial, egoísta, é o grande desafio da Igreja neste milênio. A impressão que se tem é a de que leigos e clérigos não perceberam plenamente o sentido profundo de sinodalidade. Como contribuir para a formação de uma mentalidade sinodal a partir de um novo paradigma na catequese? Uma Igreja sinodal implica uma mentalidade que transcenda o individualismo autorreferencial presente nessa época contemporânea.
Sinodalidade não é apenas uma nova palavra, implica uma maneira de ser Igreja missionária nos passos de Jesus Cristo, e, há tempos, desde o século XX, com a renovação oriunda do Concílio Vaticano II, que a catequese vem se encaminhando para um novo paradigma, que se visibiliza no Magistério de Francisco a partir da convocação a uma dimensão mais querigmática e mistagógica, numa inspiração catecumenal. Uma catequese querigmático-mistagógica é uma catequese missionária, pois se centra no anúncio da Palavra como elemento dinamizador da formação e, dessa forma, contribui para o desenvolvimento do sentido teológico pastoral de sinodalidade. Desenvolvemos o artigo em três tópicos nos quais no primeiro tratamos da sinodalidade no Magistério de Francisco, seu sentido e importância; no segundo, desenvolvemos o sentido de uma catequese querigmático-mistagógica como novo paradigma da catequese e a relação no formar uma mentalidade sinodal e no terceiro, tratamos da formação dos catequistas para uma Igreja sinodal.
Percebe-se que o Magistério de Francisco percorre uma linha programática na qual ele vai a cada passo, provocando a teologia-pastoral, recolocando os temas evangélicos fundamentais para renová-la por dentro e suscitar ações necessárias ao cristianismo e à sociedade hoje (Miranda, 2017, p. 11-16). Desde o início de seu pontificado, o papa Francisco conclama a Igreja, as pastorais, a uma missionariedade ativa, a repensar o tipo de vida que estamos vivendo, que pode ser prejudicial a toda a humanidade. Inicialmente, conclama os cristãos a refletirem sobre sua ação pastoral a fim de sair do individualismo, de uma autorreferencialidade, para se voltar concretamente para o próximo, o outro, a natureza, e sair do comodismo, num movimento interior e exterior: “Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual que à autopreservação.” (Evangelii Gaudium, #27)
Nesse percurso, o tema da sinodalidade se destaca com fundamental importância. Segundo Cipollini, “a sinodalidade encontrou no magistério do papa Francisco, consagração, desenvolvimento e via de concretização na Igreja. Ela está colocada como elemento dos mais importantes na reforma da Igreja.” (2022, p. 27) Não se pode realizar transformações profundas em uma comunidade eclesial sem que todos os agentes estejam envolvidos no processo com participação ativa, responsabilidade e em comunhão. Há necessidade de formar uma consciência mais empenhativa e colaborativa na caminhada da Igreja nestes tempos complexos e essa ação precisará de uma postura mais dialogal e, portanto, de ‘escutar’ o que o Espírito diz hoje à Igreja e essa atitude começa ao se exercitar a arte da reciprocidade amorosa do escutar: “Precisamos de nos exercitar na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual.” (EG, #171) A Igreja precisa assumir permanentemente sua tarefa missionária para a qual existe (Mt 28, 19-20) e a sinodalidade é o modo de ser Igreja no qual a escuta amorosa pneumática conduz ao diálogo e à prática de comunhão cuja finalidade é a missão. A palavra sinodalidade é derivada de ‘sínodo’ que significa caminho conjunto, compartilhado, expressando o sentido de reunir, de estar com. A Igreja é a assembleia dos reunidos pelo Senhor para caminhar em sua presença pelo mundo. O substantivo sinodalidade correlato do adjetivo sinodal traz a imagem do ‘caminho,’ expressando uma ação, um modo de ser, uma atitude e uma mentalidade processual centrada no caminho de Jesus Cristo. (Cipollini, 2022, p. 27) Em 17 de outubro de 2015, em seu Discurso por ocasião da Comemoração do cinquentenário da Instituição do Sínodo dos Bispos, o papa Francisco afirma que: “O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja no terceiro milênio.” (Francisco, 2015). O Magistério de Francisco declara, assim, a necessidade de se resgatar o conceito de sinodalidade na teologia e na pastoral para a plena realização da tarefa evangelizadora da Igreja.
Para contribuir no aprofundamento do conceito de sinodalidade, a Comissão Teológica Internacional publica, em 2018, o documento A sinodalidade na vida e na missão da Igreja (CTI, 2018). Esse documento que contém uma introdução, quatro capítulos e uma conclusão, realiza um estudo sobre o conceito de sinodalidade e ajuda a compreender a importância desse conceito no Magistério de Francisco. O documento deixa claro que apesar de o termo sinodalidade não se encontrar explícito no Concílio Vaticano II, encontra-se no coração do Concílio, a partir do conceito de comunhão, expresso na eclesiologia do povo de Deus. (CTI, #5-6) No conceito de comunhão se expressa toda a essência do ser Igreja: o mistério e a missão da Igreja, “que tem na reunião eucarística a sua fonte e seu cume” (CTI, #6) Então, o conceito de sinodalidade expressa o modo de viver e de agir da Igreja povo de Deus, unida pelo batismo em igual dignidade, que caminha junto em comunhão, comum união, ao reunir-se em assembleia e ao participar ativamente de todas as instâncias evangelizadoras. (CTI, #7-9) É na consciência de ser comunhão, na aceitação desse dom, que se encontra a fonte e a base para a sinodalidade:
No dom e no empenho da comunhão, encontram-se a fonte, a forma e o escopo da sinodalidade, enquanto essa exprime o modus vivendi et operandi do povo de Deus na participação responsável e ordenada de todos os seus membros no discernimento e na colocação em prática das vias da sua missão. (#43)
O documento traça, assim, um itinerário do sentido sinodal que provém da Escritura e da Tradição, demonstrando a sinodalidade como “dimensão constitutiva da Igreja.” (CTI, #11-41) Apresenta os fundamentos teológicos da sinodalidade a partir da trinitariedade do Deus cristão, que vive a comunhão das pessoas divinas: o Filho voltado para o Pai, no Espírito, envia seus discípulos em missão. “A Igreja participa, assim, em Cristo Jesus e mediante o Espírito Santo, da vida de comunhão da Santíssima Trindade destinada a abraçar a humanidade inteira.” (CTI, #43) A comunhão se sobressai como a fonte e a base da sinodalidade que expressa o modo de viver do povo de Deus “na participação responsável e ordenada de todos os seus membros no discernimento e na colocação em prática das vias da sua missão.” (CTI, #43). Comunhão própria do agir da Igreja a partir da ação do Espírito Santo derramado sobre ela: “A ação do Espírito na comunhão do Corpo de Cristo e no caminho missionário do povo de Deus é o princípio da sinodalidade.” (CTI, #46) O Espírito guia, prepara os corações, orienta a Igreja a viver a dinâmica da comunhão em sua estrutura, na unidade, na participação ativa de todos os membros, na corresponsabilidade, no amor e na missão, tendo a Eucaristia como fonte e cume: “A sinodalidade tem a sua fonte e o seu cume na celebração litúrgica e, de modo singular, na participação plena, consciente e ativa na reunião eucarística.” (CTI, #47) O documento demonstra que sinodalidade é um processo que se desenvolve nos âmbitos trinitário, antropológico, cristológico, pneumatológico, eclesiológico: o ser humano possui vocação à comunhão, a uma vida conjunta partilhada, o encontro com Cristo revela a amor-comunhão como base do nosso Deus, e como dom por meio do Espírito derramado que orienta e conduz a Igreja a viver nessa comunhão. Assim, leigos, sacerdotes, Bispo de Roma, unidos pelo batismo, alimentados pela eucaristia, vivenciando o diálogo, a escuta, guiados pela força do Espírito, podem discernir e testemunhar à humanidade o bem que é estar na presença de Deus: “A sinodalidade é vivida na Igreja a serviço da missão.” (CTI, # 53)
Gostaríamos de salientar que o papa Francisco aponta o sensus fidei como elemento fundamental para uma Igreja sinodal que tem como base o diálogo, a consulta, a escuta do povo de Deus: “O sensus fidei impede uma rígida separação entre Ecclesia docens e Ecclesia discens, já que também o Rebanho possui a sua “intuição” para discernir as novas estradas que o Senhor revela.” (Francisco, 2015) O sensus fidei, graça santificadora do Espírito que impele os fiéis a evangelizar, guia na verdade e leva à salvação. (EG, #119)
Diante do exposto, compreendemos que a sinodalidade da Igreja se constitui a partir da missão a que todos os fiéis são chamados cada qual com seu carisma. No agir missionário, a Igreja se revela no seu modo mais próprio de ser: a missão indica um caminho a seguir e um caminho com, pois não se realiza missão sozinho. Missão é sempre trabalho conjunto que só frutifica no amor, no perdão, na misericórdia, na busca pela justiça, na participação ativa, no diálogo, na escuta e na fala. A sinodalidade possibilita um olhar, uma interpretação do sentido que se espera da Igreja hoje nesse tempo tão complexo, plural, multifacetado, tantas vezes desumanizante, individualista. A sinodalidade possibilita o diferencial do ser cristão, aquilo que o cristianismo pode oferecer à sociedade, uma resposta, um caminho de vida no qual o bem comum e a fraternidade estejam no centro da vida. A sinodalidade é um processo que leva a uma práxis missionária da Igreja: formar discípulos missionários para viver a comunhão. O Magistério de Francisco percebe a necessidade de renovação de uma mentalidade sinodal o que implica a disposição fraterna ao diálogo, à escuta, ao bem comum, ao “nós” eclesial, à dinâmica do encontro com Deus, com o próximo, com o mundo. Podemos perceber o resgate de uma espiritualidade fraterna, comprometida com os valores evangélicos para superar o individualismo autorreferencial mundano. A sinodalidade requer o despertar de uma mentalidade de comunhão eclesial, o que implica vida fraterna no diálogo, na escuta, na partilha, no estar voltado para o outro numa abertura transcendente. A catequese é o espaço educativo formador da Igreja que se desenvolve numa ação conjunta às necessidades pastorais de cada época. Daí que a renovação de mentalidade exige um novo paradigma para a catequese.
A cada época histórica a catequese enfrenta novos desafios para realizar sua tarefa principal e primordial, pois os processos culturais-históricos se modificam, mas a necessidade de transmitir, de comunicar a fé cristã permanece. Dessa forma, a catequese atualiza e é atualizada pela Igreja, encontra-se sempre no mesmo passo da Igreja, alimentando-a e sendo alimentada, comunicando aos seres humanos a fé cristã com a linguagem de cada época, enfrentando os mais variados desafios.
Os movimentos do final do século XIX ―bíblico, litúrgico, patrístico― desembocam no Concílio Vaticano II, que conduz os processos educativos da fé a uma dinâmica evangelizatória:
Se pudermos sintetizar numa única palavra todas as grandes preocupações das assembleias conciliares, tal palavra seria o zelo pela evangelização no mundo atual. Como renovar, através de todas as suas estruturas, pessoas e instituições, o Anúncio do evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo de hoje? (Lima, 2016, p.14)
Evangelizar será o fio condutor de toda ação pastoral, resultando na ampliação de seu sentido, pois se outrora a evangelização se destinava prioritariamente aos povos não-cristãos, hoje a Igreja se encontra diante de uma nova evangelização que se direciona aos batizados que precisam de crescimento na fé ou que não vivem a sua fé, não se sentem pertencentes à Igreja (EG, #14). Os tempos atuais exigem muito mais da Igreja, da pastoral, da catequese: as mudanças velozes, o mundo digital, a supremacia da técnica, os novos estilos de vida, dos jovens, das famílias, desafiam a maneira de evangelizar. Nesse processo, muitos homens e mulheres, catequetas e catequistas foram contribuindo para as mudanças na reflexão e no agir catequético, que nos levam atualmente a estar diante de um novo paradigma para a catequese: uma ação educativa da fé que visa formar discípulos missionários, ou seja, formar o cristão de maneira integral, transcendendo a dinâmica da sala de aula para adentrar na dinâmica do encontro. Podemos citar, como exemplo de marco no caminho renovador da catequese, o documento Catequese Renovada da Igreja do Brasil, 1983, por destacar a importância da iniciação cristã para a catequese e trazer à luz orientações que visavam reavivar o processo catequético a partir da integração “fé e vida; dimensão pessoal e comunitária; instrução doutrinária e educação integral; conversão a Deus e atuação transformadora da realidade; celebração dos mistérios e caminhada com o povo.” (CNBB, CR 29)
O Magistério de Francisco, seguindo esse trajeto renovador da catequese, propõe-lhe adentrar em uma dimensão mais querigmático-mistagógica (EG, #165-166). Não que seja uma novidade o que o Francisco propõe, o movimento catequético já se debruçava sobre o querigma e o documento de Aparecida já apontava para a necessidade de uma formação de discípulos missionários. (CELAM, Documento de Aparecida, #276-346) Francisco, porém, inicia concretamente uma mudança na ação catequética: a redescoberta do querigma como elemento dinamizador de toda a ação catequética (EG, #164), uma catequese que forme integralmente a pessoa cristã, isto é, que forme discípulos missionários, que conduza as pessoas ao encontro com Cristo que transforma vidas. (EG, #163-168)
A catequese querigmática insere-se em uma dinâmica missionária essencial, ou seja, ela aprofunda a sua ação e resgata o que lhe é mais próprio: Fazer ressoar continuamente o anúncio da páscoa do Senhor nos corações humanos. (Diretório para a Catequese, 2020, #55) Durante muitos séculos a catequese se centrou em um modelo doutrinal, preparatório para ‘receber’ sacramentos, porém, já no início do milênio e, desde o Concílio Vaticano II, que muitas mudanças vêm ocorrendo no campo da catequese, em virtude da preocupação da Igreja com as instâncias evangelizadoras. (Lima, 2016, p. 181-183) A constatação de que muitos cristãos, jovens, adultos, crianças, apesar de batizados e eucaristizados, não foram devidamente evangelizados, levou a Igreja a reelaborar a ação da catequese: “a catequese não deve se preocupar somente em alimentar a fé, mas em despertá-la continuamente nas pessoas, abrindo-lhes o coração, preparando-as para uma adesão global a Cristo.” (CELAM, 2008, #9). O Magistério de Francisco, ao explicitar que nada há de mais sólido na formação cristã do que o aprofundamento do querigma, que deve ser central na catequese, bem como a iniciação mistagógica, (EG, #165-166) proporciona um novo momento para a ação catequética, que podemos considerar como caminho para um novo paradigma: uma catequese querigmático-mistagógica ou missionária.
Compreendemos, então, que a catequese precisa conduzir os homens a uma convivência com Jesus, que transforma mentalidades, gerando uma conduta cristã vivida na comunidade e no mundo. Uma catequese querigmático-mistagógica se move na ‘pedagogia’ do encontro cujo modelo é Cristo: aquele que encontrou Jesus é levado a anunciar, testemunhando e vivendo essa Boa Nova. O querigma recoloca a força anunciadora da catequese, clarificando a centralidade em Cristo, a partir da ação trinitária salvífica; a mistagogia conduz ao mergulho no mistério revelado em Cristo, através do espaço litúrgico-sacramental:
O encontro catequético é um anúncio da Palavra e está centrado nela, mas precisa sempre de uma ambientação adequada e de uma motivação atraente, do uso de símbolos eloquentes, da sua inserção num amplo processo de crescimento e da integração de todas as dimensões da pessoa num caminho comunitário de escuta e resposta. (EG, #166)
Assim, a catequese, que era normalmente, uma segunda etapa, após a evangelização, hoje redimensiona o seu agir, porque é preciso sempre anunciar Jesus Cristo, não se vive mais a cristandade. A catequese inicia, acompanha, educa, conduz ao Mistério (DC 2020, #55): “A catequese amadurece a conversão inicial e ajuda os cristãos a dar um significado pleno à sua própria existência, educando-os a uma mentalidade de fé conforme ao Evangelho, até que eles gradualmente passam a se sentir e agir como Cristo.” (DC 2020, #77)
Diante desse novo modelo, expande-se sua tarefa e espaço de atuação, visto que a catequese se coloca a serviço da Iniciação à Vida Cristã, “que é um eixo central e unificador de toda ação evangelizadora e pastoral.” (Moraes, 2022, p.22) Assim, o catecumenato torna-se fonte de inspiração. O catecumenato, uma forma de iniciar na vida cristã da Igreja nos primeiros séculos, é recuperado pelo Concílio Vaticano II. Tal recuperação entra em curso na pastoral e, atualmente, a Igreja a compreende como uma inspiração catecumenal por não ser uma volta ao passado, mas uma inspiração para um novo caminho. Segundo o documento 107, da CNBB, Iniciação à Vida Cristã: itinerário para formar discípulos missionários, “A inspiração catecumenal representa, para a Igreja, uma mudança no modo de se apresentar, porque a faz assumir sua natureza originária: ser querigmática (anunciadora da verdade fundamental manifestada em Cristo) e missionária.” (2017, 107)
A inspiração catecumenal demonstra um itinerário, um caminho que se divide em tempos e conduz a catequese a um agir que vai do anúncio da Palavra à educação ao mistério, ao simbólico, numa circularidade que se aprofunda a cada momento. A inspiração catecumenal renova a catequese porque desloca o querigma e o mistagógico para dentro do tempo da catequese (O querigma não é um antes e o mistagógico não é um depois). A centralidade na Palavra, como força impulsionadora de todo o agir catequético, e a beleza da liturgia, da dimensão celebrativa-sacramental, da oração, que conduzem à experiência do mistério, são elementos vitais de profunda renovação da catequese:
O caminho formativo do cristão, como é atestado nas Catequeses mistagógicas dos Padres da Igreja sempre, teve um caráter experiencial, mas não negligenciando a inteligência da fé. O encontro vivo e persuasivo com Cristo anunciado por testemunhas autênticas era determinante. Esse encontro tem sua fonte e ápice na celebração da Eucaristia e se aprofunda na catequese. (DC 2020, 97)
O que faz com que a catequese trabalhe com o intelecto, com o coração, com a sensibilidade, com a espiritualidade a fim de formar o ser cristão na sua integralidade, capaz de encontrar o amor de Deus em Cristo que o leve a agir, a perceber que o ser cristão é seguir a Cristo, anunciando no testemunho a Boa Nova.
O agir catequético impulsionado pela ação querigmático-mistagógica em inspiração catecumenal se desenvolve numa ‘pedagogia’ [2] de Jesus, no amor, no diálogo, na escuta, no olhar para a realidade do catequizando/catecúmeno. As atitudes da catequese se inspiram na maneira como Jesus formou seus discípulos: “fazia conhecer os mistérios do Reino, ensinava a rezar, propunha atitudes evangélicas, iniciava-os à vida de comunhão com Ele e entre eles e à missão.” (DC 2020, #79). A tarefa da catequese é formar cristãos para que vivam em comunhão, participando ativamente da vida eclesial a fim de testemunhar no mundo a alegria de estar na presença de Deus. Essa tarefa, na verdade, necessita da colaboração de toda Igreja, de todas as pastorais, necessita de uma disponibilidade para renovar a maneira de atuar pastoralmente. Essa foi a convocação que o papa Francisco fez a toda pastoral desde o início de seu pontificado, buscando renovar a Igreja, (EG, #1-18) inseri-la num processo de conversão e reconversão missionária, o “estado permanente de missão.” (EG, #25) Esse processo se realiza mais plenamente numa Igreja sinodal. A sinodalidade no Magistério de Francisco “promove a corresponsabilidade missionária de todos os membros da Igreja.” (Cipollini, 2022, p. 31) Podemos elencar valores e atitudes que advêm de corresponsabilidade missionária, tais como, solidariedade, fraternidade, cuidado, abertura, diálogo, entrega. A sinodalidade pressupõe uma educação para viver na comunhão e a catequese tem, portanto, uma tarefa essencial na colaboração para o desenvolvimento de uma renovada mentalidade sinodal, pois o ser cristão é mover-se da Palavra ao Mistério, do Mistério à Palavra, que leva à vida em comunhão.
Para que efetivamente a Igreja possa desenvolver um novo modelo de catequese, é necessário voltar-se para a formação dos catequistas, formar catequistas discípulos missionários. Ser catequista é antes de tudo uma vocação radicada na vocação do povo de Deus, que tem como base a comunidade, espaço acolhedor e frutificador dos dons ofertados pelo Espírito: “Trata-se de uma vocação radicada no seu batismo, com uma específica atuação em nome e em prol da comunidade eclesial.” (Moraes, 2022, p. 22). A comunidade é o espaço central de formação, de geração, de aprendizado e de experiência para o desenvolvimento do ser catequista, é o caminhar conjunto experienciado: “A formação do catequista se realiza no contexto eclesial, pois o catequista é, antes de mais nada, membro da Igreja, testemunha da fé e enviado por ela para anunciar a mensagem evangelizadora.” (CELAM, 2008, 69).
Dessa maneira, a comunidade necessita ser um espaço querigmático e mistagógico para influenciar a catequese e todas as pastorais a fim de suscitar catequistas discípulos missionários. Infelizmente, vivemos em um mundo individualista e trazemos essa mentalidade, de alguma forma, para a Igreja e, por isso, as pastorais ainda se encontram isoladas, compreendendo que cabe ao catequista ensinar, que cada um tem as suas tarefas. É preciso aprofundar o sentido da paróquia como ‘casa da iniciação à vida cristã,’ o que implica um grande desafio a uma Igreja sinodal: uma educação na fé centrada na Palavra que conduza ao mistério e impregne toda a vida comunitária. Diante disso, a Igreja hoje se preocupa imensamente em formar catequistas, leigos, consagrados, clérigos, que estejam cientes do seu papel, que saibam atender ao chamado de Deus neste terceiro milênio. Sendo assim, o Diretório para a Catequese de 2020 aponta três características essenciais que devem ser desenvolvidas para o exercício pleno da sua tarefa: ser testemunha da fé e guardião da memória de Deus; mestre e mistagogo; e acompanhador educador (DC 2020, #113). Nessas características, podemos relacionar três funções de especial importância para a Igreja sinodal: a profecia, liturgia e terapia. [3]
Como testemunha da fé e guardião da memória de Deus, o catequista torna-se um elo importante entre a comunidade eclesial e o mundo.(DC, 2020, #113a) O testemunho marca a presença do evangelho na realidade da vida, confere credibilidade ao ser cristão; a memória traz a essência de Deus, aquilo que foi testemunhado no passado pelos apóstolos e foi transmitido à comunidade. O catequista traz o passado para o presente e encaminha-o para o futuro, dando vigor ao evangelho, ajudando na atualização, mantendo o essencial:
O catequista põe-se a serviço de uma informação autêntica e crítica sobre a vida da própria Igreja, atualizando a doutrina e o modo de vida cristão. Isso faria com que o catequista realizasse um autêntico “ministério profético”, em linha com o profetismo de Jesus, que deve ser perpetuado no agir da Igreja. (Moraes, 2022, p.23)
O catequista ensina, anunciando e testemunhando a Palavra de Deus, assim como a Igreja caminha no mundo anunciando e testemunhando a Palavra de Deus.
Como mestre e mistagogo, o catequista adentra nas dimensões mais próprias da vida cristã, a via da beleza, da arte, da oração, do simbólico. (DC, 2020, #113b) Segue de perto a Jesus Cristo, o grande Mestre e o grande Mistagogo, revaloriza a liturgia como espaço de espiritualidade cristã, contribui para o conhecimento de um sentido mais pleno dos sacramentos: “A formação litúrgica não só se destina ao específico exercício litúrgico, mas expressa a dimensão comunitária que a vida cristã encerra.” (Moraes, 2022, p.24)
Como acompanhador e educador, o catequista expressa o ser dialogante, a escuta, torna-se o “especialista em humanidade,” concretizando o interesse da Igreja por tudo o que é humano, alegrias, dores, esperanças, demonstrando um princípio essencial da comunhão, que é estar junto dos irmãos da fé, acompanhando aqueles já iniciados na fé. No tocante aos que estão iniciando a fé ou mesmo os que perderam a fé, mas, de alguma forma, buscam os processos de iniciação, o catequista enquanto educador e acompanhador deve ser “capaz de exercer uma autêntica “função terapêutica” de abrir horizontes, indicar orientação e sentido.” (Moraes, 2022, p. 23)
Essas três características, acrescidas às funções elencadas, para o perfil do catequista demonstram que vivemos em um novo momento para a catequese, um modelo que se atualiza frente às necessidades de uma Igreja que quer cada vez mais seguir os passos do Ressuscitado. Uma Igreja cuja sinodalidade missionária é sua dimensão constitutiva requer uma catequese missionária que seja efetivamente serviço à comunhão missionária da Igreja. A formação do catequista necessita desenvolver essas características que expressam a pedagogia do encontro: o encontro comunitário e pessoal com Cristo que leva a anunciar, a ensinar, a testemunhar no mundo, contribuindo para o despertar de uma Igreja mais solidária, mais comunional, mais missionária, uma Igreja sinodal, que caminha conjuntamente em unidade na diversidade que constrói pontes.
A sinodalidade é uma maneira de ser Igreja, é um conceito que abarca reunião, não como um grupo sem coesão, e sim unidos em torno de algo comum, que atrai a todos. A dimensão trinitária do Deus cristão é a chave para se compreender o sentido teológico de sinodalidade, uma vivência relacional em que um se volta para o outro no amálgama do amor e, dessa relação, há um transbordamento que frutifica, em novas relações. Apesar das funções diferentes, o Pai, o Filho e o Espírito estão juntos no mesmo projeto numa comunhão de ações. A Igreja sob a guia do Espírito Santo reflete em seu ser a dimensão de comunhão trinitária, daí que, ao longo da história, caminha peregrina na terra em missão de anunciar o Reino de Deus. Se a sinodalidade é uma dimensão constitutiva da Igreja significa que a Igreja se edifica e se move na dinâmica da comunhão e da missão.
Fizemos um percurso no qual pretendemos demonstrar que a sinodalidade é uma estrutura teológico-pastoral e a catequese com seu novo paradigma é uma instância valorosa para desenvolver uma mentalidade sinodal. Na verdade, a Igreja encontra-se em processo de nova conversão, de reconstrução, de reflexão, de movimentação, buscando compreender e construir uma Igreja efetivamente sinodal. Nesse processo, destacamos a catequese como uma instância evangelizadora importantíssima por seu caráter formador e de serviço à Igreja. A catequese alimenta a Igreja e é por ela alimentada, daí que as mudanças na pastoral, na Igreja, afetam o agir catequético e as mudanças na catequese afetam a pastoral, a Igreja.
O Concílio Vaticano II é um divisor para a Igreja, pois trouxe à tona uma renovação, que ainda está em curso, e o Magistério de Francisco vem aprofundar e recordar elementos primordiais do Concílio para que a Igreja possa se atualizar e enfrentar os desafios desse tempo contemporâneo, que possui muitas alegrias e muitas sombras também. Nesse campo programático de seu pontificado, Francisco traz a palavra sinodalidade como um processo de práxis eclesial. Uma Igreja sinodal na qual todos unidos pelo batismo, leigos, sacerdotes, Bispo de Roma, são capazes de discernir os rumos que se deve tomar a partir da orientação do Espírito que derrama seus dons sobre todos. A sinodalidade tem como base a comunhão e missão, dois princípios do modo de viver, de agir da Igreja, em Cristo. Entre os principais problemas do mundo atual encontra-se o exacerbado individualismo autorreferencial, que forma uma mentalidade egoísta, desumanizadora. A Igreja necessita nesse terceiro milênio trilhar o caminho da sinodalidade, ou seja, caminhar juntos no amor, no perdão, na caridade, na luta pela justiça, no diálogo, na escuta um do outro, numa abertura amorosa ao próximo, à vida criada, a Deus. É preciso renovar e até formar uma mentalidade sinodal, é preciso formar discípulos missionários, comprometidos com o projeto do Reino. Batizados que não dão testemunho de sua fé, que apenas frequentam missas de vez em quando, sem comprometimento com a comunidade, que não vivem do que celebram na eucaristia, dão contratestemunho. É preciso evangelizar e reevangelizar. Assim, a tarefa da catequese se insere num novo paradigma, saindo do paradigma instrucional-doutrinal, que em outros tempos serviu à Igreja, para adentrar no paradigma querigmático-mistagógico missionário, uma catequese vibrante, que empolgue, centrada na Palavra de Deus, no evangelho, trazendo para o presente, para o cotidiano, a vida vivida por Cristo, sua encarnação, sua passagem pela terra, seu amor à humanidade e ao Pai, sua morte, sua ressurreição.
A catequese tem a tarefa de contribuir na formação de uma mentalidade sinodal missionária a fim de que se possa efetivamente realizar, levar avante as mudanças iniciadas no Concílio e que vêm sendo aprofundadas pelos pontífices posteriores e, agora, pelo papa Francisco. A catequese possui uma tarefa específica e original: conduzir a uma mudança de vida, “ela é uma escola de conversão.” (Alberich, 2004, p. 31) Portanto, deve conduzir a uma vida nova, ao ingresso em um novo espaço-tempo, a uma nova configuração, em Cristo. A catequese se torna lugar de encontro, de diálogo, não apenas uma sala de aula, e o catequista, um vocacionado, precisa reconfigurar o seu agir para atender a complexidade que hoje se põe à sua frente: ser testemunha e guardião da fé, ser mestre e mistagogo, ser acompanhador e educador. Nesse mundo repleto de contradições, no qual o diálogo, o falar e o escutar, se traduzem, muitas vezes, em monólogos, sem espaço para o outro, para o diferente, a partir de uma mentalidade individualista, a Igreja, a pastoral, a catequese, precisam mostrar que a presença de Deus é um bem na sociedade, evangelizar é preciso. O novo paradigma da catequese contribui para formar uma mentalidade sinodal, porém ainda estamos caminhando sempre na certeza de que o Espírito Santo é o guia e confere forças e dons para que a Igreja prossiga, apesar das muitas imperfeições.
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