Revista de Educación Religiosa, volumen II, n.º 3, 2021, DOI 10.38123/rer.v2i3.130.189
Wagner Francisco de Sousa Carvalho1
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Brasil
A Laudato si’ (LS) escrita pelo Papa Francisco é a primeira Encíclica a falar exclusivamente sobre o meio ambiente. Composta de seis capítulos, ela segue o método ver, julgar e agir, estando, pois, nesta última a perspectiva da educação e da espiritualidade ecológicas. Na compreensão do Pontífice elas são como que duas asas que levam o homem a uma mudança radical, capazes de criar novos estilos de vida e uma nova aliança da humanidade com o meio ambiente (LS, #202-221).
Para compreendermos, porém, esta proposta precisamos dar um passo atrás e entendermos o que é a educação para o Papa Francisco e, mais: se faz obrigatório dar um passo ainda mais atrás ao Concílio Vaticano II, quando, pela primeira vez na história da Igreja houve um Concílio que além de se ater a realidade eclesial, preocupou-se com a dimensão social, política, bem como, se interessou diretamente pela educação, das suas repercussões na pessoa e na sociedade, convidando e colocando no centro o homem na sua integralidade, sem inúteis separações entre espiritual e material, natural e sobrenatural.
A Gravissimum educationis, declaração que fala sobre a Educação Cristã, fruto deste Concílio, no número 1 descreve o direito inalienável de todos os homens de receberem uma educação, e no número seguinte que todos os cristãos, uma vez feitos nova criatura mediante a regeneração pela água e pelo Espírito Santo, se chamam e são de fato filhos de Deus, têm direito à educação cristã. Continua ainda no número 3, na orientação da missão dos pais, instruindo-os no dever de criar um ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade para com Deus e para com os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos filhos.
Este Espírito educativo na família é retomado pelo Papa Francisco quando menciona a “tarefa dos pais [de] inclui uma educação da vontade e um desenvolvimento de hábitos bons e tendências afetivas para o bem. Isto implica, segundo o pontífice, que se apresentem como desejáveis os comportamentos a aprender e as tendências a fazer maturar um diálogo educativo que integre a sensibilidade” (Amoris laetitia, #277). Conclui: “é necessária a educação da emotividade e do instinto e, para isso, às vezes torna-se indispensável impormo-nos algum limite” (AL, #148). Por essa razão “torna-se necessária uma evangelização que ilumine os novos modos de se relacionar com Deus, com os outros e com o ambiente, e que suscite os valores fundamentais” (Evangelii gaudium, #74).
Neste sentido, a proposta da educação ecológica concentra-se na pessoa e não nos sistemas e modelos educativos existentes, mas no próprio ser humano, como sujeito ativo e capaz de mudar superando a si mesmo, regenerando-se. Desta concepção o Papa segue a sua atenção necessária para os vários âmbitos nos quais são possíveis desenvolvê-la: “a escola, a família, os meios de comunicação, a catequese, a Igreja Católica, a comunidade cristã [...] nossos seminários, casas religiosas de formação, e outros” (LS, #213). Aqui apresentaremos a contribuição da educação ecológica no âmbito da Educação Religiosa Escolar, propondo uma reflexão interdisciplinar e holística, com outras palavras, uma intuição cosmoteândrica. Passamos agora ao conceito que, imediatamente é sucedido pelos seus elementos e, finalmente os lugares mencionados.
Antes de tudo convém ratificar que a ecologia integral proposta por Francisco na LS corresponde a nossa ação holística na relação com Deus, com o outro e com o meio ambiente, a casa comum. É uma ecologia, portanto, integrativa e conexa com a realidade. A educação ecológica, por sua vez, é um instrumento que conscientiza sobre o dever de cuidar da criação e dos outros tendo como ponto de partida as pequenas ações diárias, que uma vez, motivadas e repetidas dão formas a um novo estilo de vida. Diz o Documento que ela é:
A atitude basilar de se autotranscender, rompendo com a consciência isolada e a autoreferencialidade, é a raiz que possibilita todo o cuidado dos outros e do meio ambiente; e faz brotar a reação moral de ter em conta o impacto que possa provocar cada ação e decisão pessoal fora de si mesmo. Quando somos capazes de superar o individualismo, pode-se realmente desenvolver um estilo de vida alternativo e torna-se possível uma mudança relevante na sociedade (LS, #208).
Chamamos atenção para os termos usados como, autotranscender, raiz e superar. Com eles, o Papa insiste na necessidade do homem de elevar-se a cima do vulgar e superar-se numa atitude qualitativa de relacionar-se com os outros. Uma verdadeira educação ecológica o possibilita, portanto, a compreender e integrar suas ações pondo-as numa direção de cooperação e complementariedade. Tais termos iluminam um percurso que pode ser encontrado a partir dos quatro elementos evidenciados na LS como partes desta proposta: apontar para outro estilo de vida, educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente, a conversão ecológica e o amor civil e político.
A educação ecológica não é uma educação puramente intelectual, acadêmica, é uma ação pessoal e consciente, como estilo de vida, que nasce do seu confronto com a realidade pessoal, social e ambiental. É um pensar global, mas com um agir local que causa também as mudanças globais e terminam repercutindo sobre a vida pessoal e social.
Esta iniciativa a nível individual é vista como uma resposta a constatação de que a humanidade precisa mudar. Hoje, diz Papa Francisco, “falta consciência de uma origem comum, de uma recíproca pertença e de um futuro partilhado por todos. Esta consciência basilar permitiria o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida” (LS, #202).
A educação para uma ecologia integral teria, pois, este objetivo de formar a pessoa a ser membro de uma cidadania ecológica na qual fosse possível habilitar uma sólida e desinteressada virtude a um empenho constante nas pequenas ações cotidianas, isto é, contribuir para desenvolver a sua afinidade e sentimento pelo meio ambiente como uma extensão de sua moradia.
Neste caso, a educação teria como destinatário a pessoa, que uma vez consciente das gravidades presentes, e recebida adequada formação, tornaria ela, uma formadora da consciência social proporcionando uma interiorização do próprio agir e suas próprias consequências. Essa compreensão a retomaremos na discussão mais adiante sobre os lugares educativos.
Educar para a aliança entre a humanidade e o ambiente
Juntos à necessidade de criar novos estilos de vida, precisa-se educar o homem para esta nova aliança entre a humanidade e o ambiente como pontos deste projeto educativo ecológico. Segundo Francisco, tal projeto deve levar a uma consistência pacífica e um equilíbrio ecológico nos seus diferentes níveis a fim de recuperar a interioridade do homem em si mesmo, o mundo solidário, isto é, com o outro, o natural com os outros seres viventes e com Deus, o nível espiritual (LS, #210).
Tal concepção tem como ponto de partida a constatação de que a própria educação ambiental tem ampliado os seus objetivos, assim diz Francisco: “Se, no começo, ela estava muito centrada na informação científica e na concentração e prevenção dos riscos ambientais, agora tende a incluir, uma crítica dos mitos da modernidade baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras)” (LS, #210).
Esta inclusão de novas interpretações da realidade põe a educação ecológica, portanto, numa dimensão interdisciplinar capaz de articular-se também num percurso polo dimensional, como via de recuperação e integração dos equilíbrios ecológicos entre a humanidade e o meio ambiente.
Neste sentido, o primeiro passo antes de tudo, seria ajudar a restabelecer a ligação interrompida do homem com o mundo natural, iniciada a partir da visão dualista entre o homem e o resto da criação. Restabelecer esta aliança seria propor uma educação adequada para maturar novos hábitos do homem e não simplesmente limitar em dar-lhe mais informações. Nisso, Papa Francisco pede que os “educadores sejam capazes de ordenar os itinerários pedagógicos de uma ética ecológica, de modo que ajudem efetivamente a crescer na solidariedade, na responsabilidade e no cuidado apoiado na compaixão” (LS, #210).
Em contrapartida, cabe ao homem responder tais propostas com pequenas atitudes, comportamento simples e concretas medidas de cuidado pelo mundo natural que é a nossa casa comum.
A educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência direta e importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso de plástico e papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias… Tudo isto faz parte duma criatividade generosa e dignificante, que põe a descoberto o melhor do ser humano (LS, #210).
A consequência dessas ações simples e diárias poderia ser a criação de uma cidadania ecológica (LS, #211) objetivando levar a todos um maior sentido de solidariedade ao interno da sociedade, de modo especial, com os membros mais vulneráveis da nossa casa comum. Fosse, então, o segundo nível da educação ecológica, o social, tão dilacerado hoje pela insustentabilidade do sistema econômico. Tal sistema, forma sem dúvidas, uma das causas alienantes da sociedade quer pelo seu implacável domínio, quer pelo seu desfrutamento da natureza e da própria comunidade humana. Resta agora uma encruzilhada: ou a sociedade escolhe um modo mais sustentável para se viver no planeta ou enfrentar as consequências que são incompatíveis com a sua natureza deste mesmo poder econômico.
A saída é fortalecer algumas inciativas já presentes, sobretudo entre os jovens, nos quais se pode ver uma nova sensibilidade ecológica e um espírito generoso e de modo admirável a luta pela defesa do meio ambiente (LS, #209). Educar para uma nova aliança entre a humanidade e a nossa casa comum, seria, portanto, fortalecer estes sinais de bondade e solidariedade, criando assim, uma sociedade de amor com novas qualidades de vida.
Mas, este passo de aproveitar responsavelmente melhor a vida e, aquilo presente no mundo não satisfazem plenamente o homem se a sua educação recebida não o conduz a dar um “salto para o Mistério” (LS, #210). Ficaria, pois um vazio espiritual se ele apenas se preocupasse em restabelecer o seu interior, sua aliança com o outro, com o criado, mas se não valorizasse o seu mundo espiritual. Talvez, a crise ecológica contemporânea seja esta revelação também do esquecimento da verdade mais profunda, isto é, que o mundo físico é sobretudo a criação de Deus e é permeado da presença divina. Neste aspecto, podemos afirmar que a crise ecológica é um sintoma da profunda crise espiritual e religiosa causada pela fratura da nossa relação com o Criador.
A missão da educação ecológica para se tornar completa é, por conseguinte, insistir na tomada de consciência que todos devem ter da presença de Deus no mundo natural e na vida das pessoas. Isso significa dizer que a Igreja tem um papel importante em formar as consciências dos seus fiéis para uma educação austera e responsável com os mais pobres e pelo meio ambiente, bem como, de oferecer uma espiritualidade baseada na percepção fundamental da natureza e dos valores que os devem ser reconhecidos.
Não fica dúvidas, deste modo, que a educação ecológica proposta pela LS, tem como eixo transversal a própria pessoa. É com ela, por ela e nela que a educação se inicia, se desenvolve e alcança seu fim. Somente a pessoa tem a capacidade de sair do seu mundo pragmático e admirar a beleza das coisas criadas por Deus, renovar seu sentimento pela solidariedade com o outro e tornar ao seu próprio mundo com a experiência de que vale a pena a passagem por este mundo.
Entre as inúmeras experiências que as pessoas fazem ao longo da vida, tanto em nível pessoal como comunitária, tem a religiosa que, impulsionadas pelas palavras do Evangelho nasce a disposição de tomar novas decisões e refazê-las interiormente a cada dia para prosseguir e fortalecer a sua união com o Criador. Quando, por vários motivos, perde este fio condutor, “este elã”, esfria o amor inicial e a paixão pelo outro e consequentemente por Deus e pela criação.
A proposta da conversão ecológica tem esta finalidade de recompor o itinerário espiritual a partir “das convicções da nossa fé e das consequências daquilo que o Evangelho nos ensina a pensar, sentir e viver” (LS, #216). Não se trata tanto de ideias ou retiros a partir da criação, mas motivar-nos a partir do criado, essa paixão pelo cuidado do mundo.
Da nossa parte, isso exige a revisão de vida para reconhecer em que modo ofendemos a criação de Deus com as nossas ações. Com outras palavras “devemos fazer a experiência de uma conversão, de uma mudança do coração” (LS, #218), para não sermos cristãos comprometidos e até piedosos na vida de fé se ao mesmo tempo, mantemos distantes das preocupações com o meio ambiente ou passivos em não se esforçarem para mudar seus hábitos prejudiciais ao mesmo.
A conversão ecológica supõe então, a nossa capacidade de reconhecermos que somos seres relacionais, ao ponto que, enquanto fazemos uma experiência de relação interior consigo mesmo, é ao mesmo tempo, uma relação intersubjetiva, comunitária, social e cósmica. Portanto, essas relações, apesar de vividas pelos mesmos sujeitos, se distinguem umas das outras. E uma vez que cada uma delas constitui uma relação específica, necessitamos acolhê-las e reconhecê-las respeitando a especificidade de cada uma delas.
Esta compreensão holística que tudo é relação e todos os seres são interligados (LS, #92,115,120) faz entender que a conversão ecológica é sobretudo a nível pessoal, mas que instiga também uma conversão comunitária como forma de unir as forças para manter a mesma unidade no agir diante das problemáticas sociais e ecológicas.
Esta última, a conversão ecológica comunitária, estimula que a situação na qual o mundo se encontra não pode ser solucionada por atitudes de indivíduos isolados, mas que comportem várias atitudes coletivas a fim de ativar um cuidado generoso e cheio de ternura. Como exemplo, Francisco usa três atitudes que visibilizam bem essas ações fundamentais (LS, #220). A primeira é o crescente sentimento de gratidão e de gratuidade frente ao dom da criação advindo do Pai reconhecendo-a como dom recebido que sai das suas mãos abertas. Rezar antes e depois das refeições, afirma o Pontífice, já é uma forma de recuperar essa gratuidade como virtude.
Uma expressão desta atitude é parar a agradecer a Deus antes e depois das refeições. Proponho aos crentes que retomem este hábito importante e o vivam profundamente. Este momento da bênção da mesa, embora muito breve, recorda-nos que a nossa vida depende de Deus, fortalece o nosso sentido de gratidão pelos dons da criação, dá graças por aqueles que com o seu trabalho fornecem estes bens, e reforça a solidariedade com os mais necessitados. (LS, #227)
A segunda atitude é o aumento da experiência de comunhão com os homens e com toda a criação, isto é, ampliar a consciência amorosa para formar uma grande comunhão universal que perpassa toda a criação culminando definitivamente com Deus. Portanto, não há motivo algum para o ser humano dominar tiranicamente sobre a criatura, mas “a vocação da humanidade é aquela de acompanhar com amor toda a criação no seu caminho escatológico” (Kureetthadam, 2016, p. 90).
E, por fim, a atuação, cada vez mais entusiasmada e criativa, na resolução dos dramas presentes no mundo de hoje. A relação de qualidade superior do homem às demais criaturas não justifica um domínio pessoal e irresponsável, pelo contrário, lhe impõe a grave responsabilidade de cuidar e gerar uma nova cidadania ecológica. Por isso se torna pertinente o convite à conversão ecológica, individual e comunitária, deixada pelo Papa Francisco na Encíclica:
Convido todos os cristãos a explicitar esta dimensão da sua conversão, permitindo que a força e a luz da graça recebida se estendam também à relação com as outras criaturas e com o mundo que os rodeia, e suscite aquela sublime fraternidade com a criação inteira que viveu, de maneira tão elucidativa, São Francisco de Assis. (LS, #221)
Em suma, se a conversão ecológica invoca esta mudança de comportamento pessoal e comunitário que se transforma depois numa experiência de comunhão universal com tudo o que existe, ela também se torna a via sublime por meio da qual se possa viver uma fraternidade universal.
O quarto e último elemento da educação ecológica que gostaríamos de destacar é o amor civil e político manifestado por meio de ações comunitárias e marcado pela sensibilidade à fragilidade do outro e da criação.
É necessário, diz Francisco, “voltar a sentir que precisamos do outro, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena sermos bons e honestos” (LS, #229). Este retorno aos elementos essenciais de uma harmoniosa convivência certamente ajuda a eliminar do nosso meio as competições de uns com os outros e a gerar um amor fraterno capaz de ser gratuito e desinteressado.
Trata-se, pois de uma fraternidade universal, que se expressa na responsabilidade para com os outros e o mundo, em atitudes de bondade e honestidade, sendo, pois, um paradoxo daquilo que a cultura hodierna prega como sendo valores. Este tempo é o momento oportuno para reconhecê-los como insignificantes na educação permanente e valiosa do homem contemporâneo e, deste modo, repropor que o egoísmo pode ser substituído pelo cuidado, o individualismo pela fraternidade e o descartável pelo insubstituível preço que as criaturas possuem em si mesmas. Portanto, como afirma (Figueira, 2012, p. 20) uma educação que se pretenda verdadeiramente ser educação - isto é, verdadeiramente orientada para a construção de pessoas humanas cuja identidade seja assumida em responsabilidade por si e pelos outros - dificilmente se poderá contentar com um paradigma patriarcal. Por isso, é que vão surgindo os contornos de um novo paradigma, não propriamente novo, mas com características que o tornam urgente na cultura contemporânea: é o paradigma que poderíamos denominar de alteridade.
Por isso, é reconhecido, diz Francisco citando Paulo VI, o ideal que a “Igreja propõe ao mundo de uma civilização do amor” (LS, #231), porque reforça que esta sociedade deve se transformar numa fraternidade com valores e atitudes novas de ser e viver, no qual o amor que une as pessoas seja o mesmo amor que unem os seus interesses sociais para um desenvolvimento autêntico. Para tanto, basta apenas colocarmos em prática uma palavra gentil ou qualquer gesto que semeia a paz e a amizade.
Assim sendo, nasce a cultura do cuidado como fruto da soma de amor com atitudes. Nesse contexto, o Papa destaca as ações comunitárias e de associações que intervêm em prol do bem comum, defendendo o meio ambiente natural e urbano e que buscam a construção de um mundo melhor. É evidente que nem todos são chamados a trabalhar diretamente na política, no entanto, não faltam pessoas que intervém de forma criativa no desenvolvimento do bem comum.
Estes gestos de preocupar-se com os lugares públicos é a forma de recuperar e fazer surgir o novo rosto social da humanidade tão marcado pelos ideais exclusivistas do consumismo. Além disso, de fortalecer a identidade de um povo e de um lugar por meio da preservação da sua história. Isso equivale afirmar também a proteção dos mais pobres que muitas vezes são esquecidos na memória daqueles que alimentam hoje uma cultura do descartável e do desprezível.
Depois de apresentar o que é a educação ecológica e seus quatro elementos, neste último ponto, propomos uma descrição dos lugares ou âmbitos para a sua prática. Dois fatores sobressaem: o primeiro são os próprios lugares e o segundo, responde a pergunta como aplicar tal educação, ou seja sua metodologia.
O Papa Francisco quando apresenta a atual crise ecológica nos faz identificar que uma de suas causas está na raiz humana e, para superá-la precisar haver uma prática educativa em vários âmbitos da sociedade. Como havíamos acenado antes, tal prática corresponde a uma iniciativa pessoal, pois não se encontra num sistema preestabelecido e por isso exige, muito mais que intelectualidade, uma conversão e decisão de agir com um novo estilo de vida. Este novo modo, nasce da prática do dia a dia em que estamos inseridos e vivemos, como por exemplo, na família como destaque de onde se cultiva os primeiros hábitos e o amadurecimento pessoal:
Vários são os âmbitos educativos: a escola, a família, os meios de comunicação, a catequese, e outros. Uma boa educação escolar em tenra idade coloca sementes que podem produzir efeitos durante toda a vida. Mas, quero salientar a importância central da família, porque ‘é o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico. Contra a denominada cultura da morte, a família constitui a sede da cultura da vida’. Na família, cultivam-se os primeiros hábitos de amor e cuidado da vida, como, por exemplo, o uso correto das coisas, a ordem e a limpeza, o respeito pelo ecosistema local e a proteção de todas as criaturas. A família é o lugar da formação integral, onde se desenvolvem os distintos aspectos, intimamente relacionados entre si, do amadurecimento pessoal. Na família, aprende-se a pedir licença sem servilismo, a dizer “obrigado” como expressão duma sentida avaliação das coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou a ganância, e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal. Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia. (LS, #170,171)
De acordo com esses lugares, a pergunta agora que poderia ser feita seria: como aplicar uma educação ecológica nestes âmbitos? Na escola, por exemplo, é uma possibilidade no ensino religioso de contribuir de forma mais prática, para a constituição da educação e da cidadania ambiental por meio de mudança nos estilos de vida. Do ponto de vista didático, todas essas indicações feitas pelo Papa podem ajudar aos professores e demais educadores da área de ensino religioso a contribuírem para a formação de uma consciência e, acima de tudo, uma prática cotidiana de mudança de hábitos com o objetivo maior de preservar o meio ambiente.
No entanto, aqui se constitui, hoje, um desafio e uma implicação para a Educação Religiosa Escolar. Até pouco tempo atrás todas as éticas tinham como pressuposto que “o que tinha relevância ética era a relação direta do homem com o homem, incluindo a relação consigo mesmo” (Jonas, 1995, p. 29). A relação com o mundo externo, entendida como dominação, no sentido de técnica, isto é, de capacidade produtiva, não fazia, até então, parte da pauta ética. Ora, se a função da ética é proteger as vulnerabilidades é de necessária importância reconhecer, hoje, nas escolas e ensinos religiosos, que a natureza também é vulnerável e fomentar nos estudantes uma mudança de mentalidade. Neste sentido, a Laudato si’ contribui como referimento teórico, pois a mesma, indica a noção não fragmentária da realidade e aponta para o ensino sistemático uma forma diferente de compreender a relação Homem-Mundo sem esquecer sua relação com Deus.
A intuição cosmoteândrica, apresentada por Raimon Panikkar, pode ser um roteiro para essa implicação: Para o autor, isso significa a concepção totalmente integrada do “tecido sem costuras da realidade inteira” (1999, p. 26), que expressa aquela visão da realidade que compreende o divino, o humano e o cósmico. Assim sendo, a Realidade é trinitária e tem uma dimensão divina, uma dimensão humana e uma dimensão material. Suas “realidades” podem diferenciar-se, porém não se separar. Não existe nem monismo, nem dualismo, trata-se de uma relação a-dual e o ser humano faz parte dessa realidade.
Essa constatação remete a uma compreensão, necessidade e proposta de uma educação integral ofertada pela escola, capaz de auxiliar o homem e a mulher do nosso tempo a pensar com o coração aberto e agir com a consciência purificada. No fundo, essa situação configura a jornada educativa religiosa imprescindível: dar unidade ao humano divido pelas experiências advindas dos amores feridos e da sensação de autonomia de Deus, enquanto essa se manifesta fragilizada, doentia, infantil e recompensada por espiritualidades vazias de uma verdadeira alteridade.
Já do ponto de vista da família a educação ecológica pode contribuir para os cultivos dos primeiros hábitos de amor e cuidado da vida, como, por exemplo, o uso correto das coisas, a ordem e a limpeza, o respeito pelo ecossistema local e a proteção de todas as criaturas. Na família, aprende-se a pedir licença sem servilismo, a dizer ‘obrigado’ como expressão duma sentida avaliação das coisas que recebemos, a dominar a agressividade ou a ganância, e a pedir desculpa quando fazemos algo de mal. Estes pequenos gestos de sincera cortesia ajudam a construir uma cultura da vida compartilhada e do respeito pelo que nos rodeia” (LS, #213).
Já a comunicação vista pela LS se pressupõe aquela dinamicidade que tudo está interligado. E é aqui que a própria encíclica vem em nosso socorro. Ao criticar o antropocentrismo, ou o seu contrário, o biocentrismo, Francisco diz esperar “o desenvolvimento de uma nova síntese, que ultrapasse as falsas dialéticas dos últimos séculos” (LS, #121). Cremos que outra falsa dialética é a que propõe uma divisão radical entre o humano e o tecnológico, como âmbitos opostos. Sendo um processo comunicacional, a cultura também deve ser entendida "especialmente no seu sentido vivo, dinâmico e participativo” (LS, #143), envolvendo diversos agentes – humanos, sociais, tecnológicos, simbólicos – em uma ambiência complexa.
Por último, é interessante também assinalar como a dimensão catequética está ligada diretamente à questão da educação ecológica. No Brasil, por exemplo, várias Campanhas da fraternidade têm abordado temas relacionados com o meio ambiente. Em 2017, por exemplo, o tema foi Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida’ e o lema 'Cultivar e guardar a criação'. O seu texto base reflete, na segunda parte, sobre o conteúdo das catequeses de Jesus contendo os elementos da criação. Afirmam os Bispos: “Em suas parábolas, Jesus faz perceber que a criação contém em si explicações do agir de Deus (Mc 4:39) e de realidades relativas ao Reino dos Céus. [...] Na sua catequese, Jesus utiliza elementos da criação” (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, 2017, #73-89). Isso nos ajuda a entender como a catequese pode contribuir para uma cidadania ecológica e consequentemente, para salvar o nosso planeta.
Se concentrarmos nossa reflexão sobre a educação ecológica apenas como uma maneira de dar respostas urgentes aos desafios atuais da contemporânea crise ecológica, estaríamos reduzindo ao máximo a proposta da LS, e consequentemente, eliminando o seu espírito holístico do qual ela é impregnada. No fundo, ela é mais do que uma oferta, é uma proposta de um novo programa de estilo de vida capaz de levar o homem à “sua capacidade de superar, voltar a escolher o bem e regenerar-se a fim de que ele possa olhar para si mesmo com honestidade, externar o próprio pesar e encetar caminhos novos rumo à verdadeira liberdade” (LS, #205).
Neste novo percurso, nada impedirá ao homem à sua abertura ao bem, a verdade e, assim ao novo estilo de vida sustentável. Prova disso, é que se pode verificar que o próprio sistema econômico se rende às suas pressões quando o mesmo se decide lutar e pressioná-lo por meio dos movimentos consumidores, confirmando a hipótese segundo a qual, quando o homem, a sociedade, mudam seus hábitos, as empresas mudam também seus modelos de produção.
Daí a decisão firme do homem em apontar para este novo estilo ecológico de vida, caso contrário, permanecerá na mesma situação e não alcançará transformar nem o sentido ecológico da indústria nem da economia, tampouco, agir na atual situação que se encontra a nossa casa comum. Neste sentido, Moltamann, quando se perguntou sobre um estilo ecológico de vida no quadro de uma ética da terra, chegou à conclusão da necessidade de adotar um novo estilo alternativo de vida, porque o precedente vivido na sociedade industrial e capitalista foi a causa determinante da catástrofe ecológica. Segundo ele, uma nova cultura da moderação requer este comportamento honesto, um estilo simples de vida, autêntico e livre das propagandas persuasivas dos meios de comunicação e dos setores da economia (2011, p. 189).
Por isso, Francisco fala do desafio educativo, pois segundo ele o paradigma cultural hoje é condicionado pela técnica capaz de deixar o homem impotente em escolher um novo estilo de vida sem tê-la presente (LS, #108). Se é desafiante não significa dizer, porém, que é impossível. Basta desejar sair de si mesmo e caminhar em direção ao outro, reconhecendo o seu valor e o da criação, para que nasça uma nova aliança e novas mudanças na sociedade.
O Papa Francisco na Fratelli tutti resume bem esta necessidade quando ele questiona: “que sucede quando não há a fraternidade conscientemente cultivada, quando não há uma vontade política de fraternidade, traduzida numa educação para a fraternidade, o diálogo, a descoberta da reciprocidade e enriquecimento mútuo como valores? Sucede que a liberdade se atenua, predominando assim uma condição de solidão, de pura autonomia para pertencer a alguém ou a alguma coisa, ou apenas para possuir e desfrutar” (Fratelli tutti 103).
Vimos que a proposta da educação ecológica, longe de ser um modismo, constitui um estilo de vida que deve ser assumido por todos. Pressupõe que o homem deve se reencantar pela criação, despertando o seu fascínio e orientando-se para a sacralidade da mesma, aprofundando com isso, seu temor e veneração, como forma de integrar o seu direito e o das outras coisas criadas num único modo de agir. Educar ecologicamente o homem, consiste nisso: despertá-lo que ele não tem o direito de ignorar a ordem e o dinamismo com as quais Deus criou toda a criação. Isso inclui quatro passos:
Primeiro, que ele enquanto ser ontológico, é um indivíduo diante das demais criaturas que goza de uma qualidade e, por esta razão, a única criatura que tem consciência da relação com o outro, com Deus e com a terra.
Segundo que a educação ecológica o ajudaria a restabelecer a ligação interrompida do homem com o mundo natural, iniciada, a partir da visão dualista entre ele e o resto da criação. Restabelecendo, pois esta aliança adequada para maturar os novos hábitos do homem e formar assim uma nova cidadania ecológica.
Terceiro passo é aquele que Francisco chamou de conversão ecológica, ou seja, uma mudança no coração supondo a nossa capacidade de reconhecermos que somos seres relacionais, ao ponto que, enquanto fazemos uma experiência de relação interior consigo mesmo, é ao mesmo tempo, uma relação intersubjetiva, comunitária, social e cósmica. Daí a necessidade de que a conversão pessoal se transforme depois em uma conversão comunitária. Diz Francisco: “não haverá uma ecologia sã e sustentável, capaz de transformar seja o que for, se não mudarem as pessoas, se não forem incentivadas a adotar outro estilo de vida, menos voraz, mais sereno, mais respeitador, menos ansioso, mais fraterno” (Querida Amazonia, #58).
E o último, o amor civil e político manifestado por meio de ações comunitárias pela sensibilidade à fragilidade do outro e da criação, tratando-se de uma fraternidade universal, que se expressa na responsabilidade para com os outros e o mundo fazendo nascer uma cultura do cuidado como fruto da soma de amor com as atitudes.
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