Revista de Educación Religiosa, volumen II, n.° 3, 2021, DOI 10.38123/rer.v2i3.130.185

Um exemplo de pesquisa com a juventude. A relação entre educação religiosa no ensino médio e universidade católica

Mônica Baptista Campos1
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Brasil

Introdução

A educação é um dos principais pontos de ação na agenda do papa Francisco. Desde o início de seu pontificado, o Papa advoga em prol de uma educação integral, humanizada/humanizadora e transformadora.

No último capítulo da Laudato si', o sumo pontífice indica que a humanidade precisa operar uma mudança no modo de viver e para isso é necessário a construção de uma outra consciência, que aponte novas atitudes e estilos de vida, possibilitando assim a regeneração da vida e garantindo que a sustentabilidade no planeta possa ser alcançada. Ele aponta três grandes desafios para reestruturar esta mudança/regeneração: o desafio cultural, espiritual e educativo (LS, #202).

Nosso foco recai sobre o desafio educativo, porque nossa ação está vinculada ao segmento da Educação, contudo percebemos que os três desafios estão interligados (LS, #16,91,117,138,240).

É necessário ressaltar que além da educação, outra questão move os esforços de Francisco: a questão socioambiental. A crise civilizacional e sociambiental que se aproxima, só poderá ser contida se conseguirmos reestruturar a humanidade e o comportamento do ser humano, pois o planeta vem sendo degradado pela forma como nossa espécie vive e habita a terra.

O Pacto Educativo Global

O Pacto Educativo Global é uma proposta assumida pelo papa Francisco que visa uma mudança estrutural na educação, uma busca por soluções sem medo de iniciar processos de transformação. Podemos considerar que o Papa tem estimulado a ousadia e a coragem na evangelização (EG, #23,24) e isso se estende também no âmbito da educação. Trata-se de uma perspectiva que vislumbra o futuro com esperança.

Francisco (2019) tem o propósito de reconstruir o pacto educativo global que será o propulsor de uma nova consciência para a mudança no ser e no agir da humanidade. Contudo, será necessária uma caminhada para que se possa construir e amadurecer uma nova solidariedade universal e uma sociedade mais acolhedora. É um processo que se realiza no tempo e na história.

O sociólogo Zygmunt Bauman (2017) —uma das referências na interpretação da contemporaneidade— se declara admirador de Francisco, chegando a considerá-lo “o dom mais precioso que a Igreja Católica Romana nos ofereceu” e faz uma observação sobre a perspectiva do Papa.

Francisco confiou à educação a tarefa de fazer renascer os critérios morais perdidos e restaurar vitalidade aos valores espirituais para levá-los de volta à magnificência e à iminência corroídas por um materialismo sem limites, por um consumismo desenfreado e por uma busca de lucro continua e desonesta. Desse modo, ele nos convidou para nos prepararmos para uma luta longa e difícil; na educação, não há soluções rápidas, atalhos, resultados imediatos. Como nos adverte e nos ensina o antigo provérbio chinês: “Se os seus projetos forem para um ano, semeie grão; se os seus projetos forem para dez anos, plante árvores; se os seus projetos forem para cem anos, eduque as pessoas. (Bauman, 2017)

Na visão do Papa, a educação é um dos “motores” para o desenvolvimento de uma nova forma de viver, e consequentemente, para a formação de uma nova humanidade. Faz-se necessário reunir esforços, ou melhor, criar uma aliança educativa “para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna” (Francisco, 2009).

Ressaltamos o termo “aliança educativa” sob duas perspectivas: com o significado de união, laço, ligação, e com a noção de pacto, acordo, tratado e entendimento. Evidente que há outros sentidos de aliança, contudo nosso propósito neste artigo é pensar a aliança com o significado de integração. E isto se dá por dois motivos.

Primeiro, porque tencionamos integrar as duas acepções da palavra aliança: como pacto e como união. A “aliança educativa” proposta por Francisco é evidentemente pacto, acordo, tratado como o próprio nome diz, e é também união, laço, ligação entre as pessoas, comunidades e países – pacto e união global pela educação. Ressaltamos as duas dimensões da palavra pacto: como parceria, um acordo formal ou contratual pela educação e como união, laço, ligação, que induz a um sentido de maior envolvimento afetivo-existencial.

E segundo, porque entendemos que, em sua acepção mais profunda, o termo aliança propõe o sentido de integração que dispõe de uma visão peculiar de “unidade na pluralidade”. Em meio às diversidades de pessoas, países, territórios e geografias, religiões e etnias, o termo aliança evoca integrar a todos e todas numa proposta comum: uma educação que transforme o ser humano e torne possível a continuidade da humanidade no planeta Terra.

É nesta perspectiva de integração, que iniciamos o próximo bloco abordando a relação entre a educação religiosa no ensino médio e seu reflexo no âmbito da universidade a partir de duas pesquisas realizadas pela PUC-Rio. Foi realizado em comparativo entre as declarações de pertença religiosa dos estudantes da PUC-Rio e o censo religioso brasileiro realizado em 2010. Consideramos que há necessidade de realizar novas pesquisas, em que questões específicas possam ser desenvolvidas, contudo o exame acurado dos dados pode apontar lacunas na educação religiosa dos jovens.

Contudo, antes de iniciarmos a análise das pesquisas colocamos as primeiras perguntas: qual o perfil da juventude brasileira? Seria mais adequado utilizar a expressão juventudes, no plural, já que há grande diversidade? Há um único perfil de jovem na Igreja?

O Papa tem especial atenção com a demanda dos jovens, porque entende que a desintegração psicológica é um dos principais problemas na educação atual. Nesse sentido, a diversidade e a velocidade dos estímulos digitais muitas vezes “leva a perder o sentido da totalidade, das relações que existem entre as coisas, do horizonte alargado, um sentido que se torna irrelevante” (LS, #110). Sem dúvida, Francisco tem se ocupado de pensar e refletir sobre a educação, pois é inconteste que a Igreja Católica sempre dedicou atenção à educação em seu projeto missionário. Em todo mundo são inúmeros os colégios, as escolas, os institutos de ensino e as universidades que foram fundados e administrados por congregações e ordens religiosas. O pacto educativo é um compromisso global e não pode faltar nem empenho nem determinação, sobretudo por parte do segmento católico que lançou a semente de uma nova educação para uma nova humanidade.

O censo religioso e a educação religiosa

Neste tópico comparamos os dados relacionados à pertença religiosa do censo brasileiro (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2012) com as informações obtidas em duas pesquisas realizadas na PUC-Rio e que foram publicadas em dois livros, a saber: Juventude, religião e ética. Reflexões teológico-práticas sobre a pesquisa “Perfil da juventude na PUC-Rio”, publicado em 2010 e Perfil da juventude na PUC-Rio. Reflexões sobre o impacto da pesquisa de 2018, lançado em 2020 na forma impressa e digital. As pesquisas possibilitam um melhor delineamento dos rostos dos alunos e das alunas da universidade. A primeira foi realizada com a contratação do CERIS (Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais) em 2006 e a segunda, no ano de 2018, elaborada em parceria com o departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio.

Neste momento, apresentamos os dados apenas para o segmento do cristianismo, pois nossa intenção é perceber o percentual dos jovens que se denominam cristãos e/ou católicos e a comparação com o censo geral brasileiro. Nossa intenção é abrir um questionamento de como estes jovens —advindos do ensino médio— estão se definindo em termos pertença religiosa. A outra questão que trazemos para a reflexão —Deus, crença e experiência— será apresentada no próximo item, onde também haverá aálise sobre outras tradições religiosas.

Os dados coletados pelo IBGE (2012) demonstraram haver mais diversidade religiosa no cenário brasileiro em relação à pesquisa realizada dez anos antes. Embora não tenhamos números atualizados —devido à pandemia, o censo que seria realizado em 2020 foi adiado—, acreditamos que este cenário diverso e plural permanece —pode até ter se ampliado—, contudo é válido ressaltar que, embora diverso, os dados indicam que o cristianismo ainda é a religião da maioria dos brasileiros —64,6% se declaram católicos e 22,2% evangélicos, totalizando 86,8% de cristãos. Cabe ressaltar que, em 30 anos, o percentual de evangélicos passou de 6,6% para 22,2% (IBGE, 2012).

Estes dados nos fazem refletir e nos impele a observar com mais acuidade a realidade brasileira que se experimenta no âmbito da educação religiosa católica. O pacto educativo não visa somente a dimensão eclesial como as escolas, universidades e institutos católicos; o Papa quer atingir a todos, ele convoca todo o globo terrestre para tomar parte nesta “aldeia da educação” (Francisco, 2019), contudo, entendemos que cabe à Igreja primeirear, ou seja, tomar a iniciativa, envolver-se, acompanhar, frutificar e festejar (Evangelii gaudium, #24).

Assim sendo, nosso ensaio aponta alguns pontos fragilizados na formação religiosa dos estudantes e que devem ser revistos visando o sucesso do pacto educacional. Mas o mais significativo, é que ele intenciona ser um passo na direção de fortalecer a aliança/integração entre os membros das escolas, universidades e institutos católicos visando conceber uma formação religiosa que seja significativa para o existencial humano. Entendemos ser necessário a troca mais efetiva de informações, de dados, de pesquisas, de materiais, desejamos que as descobertas sejam comunicadas e compartilhadas nas redes de educação católica, enfim, as trocas de experiências são enriquecedoras e necessárias para a construção de uma educação religiosa que aponte um caminho de sentido para a juventude.

Neste sentido de troca de informações para fortalecer o pacto, apresentamos alguns dados de duas pesquisas que a PUC-Rio realizou com os jovens num intervalo de doze anos com o intuito melhor conhecê-los, proporcionar maior diálogo e planejar o futuro de forma mais realista, dentre outros objetivos (Pedrosa-Pádua e Mello, 2010, p. 8).

Para esta comunicação, nossa observação se baseou em duas questões da pesquisa: a declaração de pertença religiosa e a questão que aborda sobre Deus, crença e experiência.

As respostas dos estudantes revelam como os jovens que ingressam na PUC-Rio, e que são oriundos do ensino médio, entendem um dos pontos fundamentais do cristianismo – imagem e relação com Deus. A questão que tomamos neste artigo sinaliza também o entendimento que estes jovens apresentam de Deus e de Jesus Cristo, como veremos mais adiante.

Na observação das respostas dos estudantes universitários sobre a pertença religiosa, um dado que chama a atenção é o percentual reduzido dos que se declaram católicos na PUC-Rio em 2018 – apenas 28% (Gonzaga et al., p. 241) e há declarações de católico/a não praticante que não foram computadas percentualmente (Gonzaga et al., p. 242). A porcentagem de pessoas que se declaram pertencentes a igrejas evangélicas é 8,3%.

O que surpreende é ter um censo religioso que aponta o catolicismo como maior religião do Brasil e, na maior universidade católica do país, ter um percentual ínfimo de estudantes que se declaram católicos em 2018. De certo que se passaram oito anos entre a coleta de informações da pesquisa do IBGE e a realizada pela PUC-Rio, mas o grave é que a pesquisa mais recente pode sinalizar mais perdas para o segmento católico no contexto geral do Brasil.

Na pesquisa realizada em 2006, o número de católicos na PUC-Rio era 50,29%, sendo que apenas 12,65% definiram-se como católicos praticantes. Vinte e dois por cento declaram-se sem religião e os evangélicos totalizavam 7,64% (Pedrosa-Pádua e Mello, 2010, p. 204).

Provavelmente a consciência dos estudantes que se declaravam católicos não praticantes (37,64%) em 2016 hoje trafega na direção dos sem religião. Os estudantes que se declaram sem religião formam o grupo de maior porcentagem em 2018 – 40% (Gonzaga et al., p. 241).

Algumas perguntas surgem: existe relação entre a educação religiosa católica que se concebe no ensino médio —ao menos nas escolas do Rio de Janeiro— e este percentual que a pesquisa universitária revela? Se existe, qual a causa de números tão reduzidos se comparados à realidade brasileira? Talvez o caso do Rio de Janeiro seja o estado mais destoante nesta comparação, pois, entre todos os estados brasileiros, foi o que apresentou o menor percentual de católicos, apenas 45,8%. Entretanto, o fato de haver tão poucos declarantes católicos é uma pergunta que questiona à toda a Igreja do Rio de Janeiro.

Deixamos para o fim deste tópico para apresentar a pergunta “Você estudou em escola católica?”

Tabela 1: Você estudou em escola católica?
2006 2018
Sim, toda a escolaridade 30,15% 26,2%
Sim, apenas a educação infantil 4,16% 3,5%
Sim, até 5 ano do Ens. Fundamental 3,92% 6,1%
Sim, até 9 ano do Ens. Fundamental 12,09% 10,9%
Não 49,62% 53,3%

Fonte: elaboração própria a partir de Fernandes (2010) e Gonzaga et. al (2020, p. 220).

Deixaremos para uma outra oportunidade uma análise mais apurada sobre este gráfico; sem dúvida os dados das pesquisas suscitaram muito mais perguntas que respostas e precisam ser analisados de forma profunda.

No próximo tópico entramos especificamente na questão relacionada a Deus, crença e experiência.

Deus na pesquisa

A realização de pesquisas junto aos estudantes é um importante instrumento para que a colégios/institutos/universidades possam conhecer melhor os alunos e alunas e assim, estabelecer uma relação de diálogo mais profunda; e possa oferecer uma educação que afete o existencial pessoal de cada um e cada uma. Talvez seja uma proposta ambiciosa, mas está dentro das diretrizes de Francisco (2018ª): uma educação que integre e harmonize o intelecto (a cabeça), os afetos (o coração) e a ação (as mãos). Uma educação que dê sentido à existência humana. Viver é con-viver (viver-com) e é bem mais que simplesmente existir.

A antropologia bíblica indica que o ser humano é feito à imagem e semelhança de Deus, e por isso, é pessoa, um ser de relações. Assim, a existência humana se apoia em três relações fundamentais: com Deus, com o próximo e com a terra (LS, #66). Destarte, o olhar que as juventudes apresentam sobre as imagens e experiências de Deus pode revelar um caminho de diálogo. A escuta é um elemento fundamental neste processo relacional de conhecimento, o Deus bíblico é um Deus que escuta o clamor do seu povo e vê seu sofrimento (Ex 3:9-10). É um Deus atento.

A pesquisa é esse mecanismo que nos ajuda a ter o olhar e a escuta atentos, e por isso torna-se um instrumento eficiente quando bem elaborado, estruturado e aplicado.

Posto isto, vamos direto ao assunto Deus e religião. Nas pesquisas realizadas, o assunto religião é o segundo item – após a identificação, perfil, etc do estudante – e tem sete subitens/perguntas na pesquisa de 2006: (1) “você acredita em?”, (2) “qual é a principal razão que te leva a crer?”, (3) “quem é Deus para você?”, (4) “em que momento você costuma sentir mais fortemente a presença de Deus?”, (5) “você participa de encontros ou atividades da sua religião? Com que frequência?”, (6) “qual a sua religião?”, (7) “qual a sua opinião sobre a Igreja Católica?”

Já na pesquisa de 2018 houve um acréscimo de mais três perguntas no tópico sobre religião: (1) “você participa de encontros ou atividades de outra/s religião/ões que não seja a sua? Com que frequência?”, (2) “qual é/ são esta/s religião/ões que você participa, além da sua?”, (3) ”qual sua opinião sobre as religiões?”. Estas três últimas perguntas também constavam na pesquisa de 2006, entretanto estavam em um item à parte da religião, que levava o título de “Trânsito religioso/Tolerância”. Uma das modificações para a segunda edição foi incorporá-las ao assunto religião e ao existencial humano.

Na primeira pergunta, sobre a crença, temos dezesseis opções: Deus / Jesus Cristo / Virgem Maria / Santos / Anjos / Espírito Santo / Espíritos de Luz / Duendes e gnomos (1ª pesquisa) - seres elementares da natureza (2ª pesquisa) / demônio / reencarnação / vidas passadas / entidades e orixás / vida após a morte / energias-aura / astrologia - horóscopo (1ª pesquisa) astrologia - tarô (2ª pesquisa) / NRA. Basicamente, foram mantidas todas as opções de resposta da pesquisa de 2006 com pequenas mudanças. Vejamos a tabela com as informações das pesquisas de 2006 e 2018.

Tabela 2: Você acredita em ...?
2006 2018
Sim Não Sim Não
Deus 81,69% 18,31% 67,20% 32,80%
Jesus Cristo 59,63% 40,27% 48,60% 51,40%
Virgem Maria 38,39% 61,61% 27,50% 72,50%
Santos 33,16% 66,82% 28,30% 71,70%
Anjos 37,99% 62,01% 35,20% 64,80%
Espírito Santo 41,55% 58,45% 35,70% 64,30%
Espírito de luz 22,01% 77,99% 36,20% 63,80%
Duendes e Gnomos/ seres elementares da natureza 5,17% 94,83% 26,20% 73,80%
Demônio 16,59% 83,41% 19,70% 80,30%
Reencarnação 30,56% 69,44% 30,20% 69,80%
Vidas Passadas 32,56% 67,44% sem referência
Entidades e Orixás 12,27% 87,73% 18,40% 81,60%
Vida após a morte 40,58% 59,42% 38,10% 61,90%
Energias - aura 27,09% 72,91% 36,60% 63,70%
Astrologia 21,98% 78,02% 23,70% 76,30%
NRA 10,56% 89,42% 14,90% 85,10%

Fonte: elaboração própria a partir de Fernandes (2010) e Gonzaga et. al (2020, p. 56).

Ao analisarmos o quadro de crenças podemos perceber que a equipe de elaboração optou por colocar crenças cristãs, não cristãs e alguns itens que tipificam uma espiritualidade Nova Era, ou new-age (Fernandes, 2010, p. 24). Havia a possibilidade de escolher mais de uma opção e assim seria possível marcar crenças cristãs e não cristãs ao mesmo tempo.

Numa tomada rápida, podemos perceber que ocorreram significativas mudanças, contudo a maior disparidade está no item duendes e gnomos / seres elementares da natureza. Em 12 anos, a crença nesses espíritos da natureza aumentou 21%. É possível que a mudança de nomenclatura possa ter gerado outro entendimento da questão para haver tamanha adição? É certo que hoje estamos com uma sensibilidade mais aflorada para as questões da natureza, da ecologia, do meio ambiente; mas será que essa sensibilidade seria responsável por tão grande aumento de crença? Também é significativo o fato de hoje haver mais estudantes de diversas religiões; efetivamente, constata-se o aumento no percentual de adeptos das religiões orientais, do Candomblé e da Umbanda, dos evangélicos e dos sem-religião. É possível que o aumento da crença nos espíritos/elementais da natureza seja reflexo de uma maior espiritualidade e/ou sensibilidade com a natureza, e isso pode estar relacionado tanto pela emergência da questão ambiental quanto pela maior diversidade de credos dentro da universidade. Especificamente, as religiões de origem afro-brasileira realizam cultos na natureza, seja nos rios, praias ou campos. De qualquer forma, é muito intrigante que esta crença tenha tido um aumento tão expressivo.

Além da crença nos espíritos da natureza, a crença em espírito de luz —expressão utilizada na doutrina espírita— também teve aumento de 14%, embora o percentual de estudantes que se declaram espíritas tenha diminuído —de 7,8% em 2006 (Pedrosa-Pádua e Mello, p. 204) para 5,7% em 2018 (Gonzaga et al., p. 241). É possível que este crescimento esteja relacionado com o percentual dos estudantes que se declaram pertencentes a alguma das religiões afro-brasileiras, que em 2006 tinham menos de 1% (Pedrosa-Pádua e Mello, p. 204) e em 2018 totalizaram 2,8% ( Gonzaga et al., p. 241) dos estudantes. Contudo, o crescimento das religiões afro não justificaria este salto, é provável que os sem-religião, ou os adeptos de uma religiosidade new-age também compartilhem da mesma crença.

Como já apontado no bloco anterior, quem sofreu uma grande redução foi a Igreja Católica —50,3% se declaravam católicos em 2006, já em 2018, esse número é 28,8%. Dado que também se reflete na doutrina católica com o decrescimento da crença na Virgem Maria —27,5% em 2018 e 38,39% em 2006 (Pedrosa-Pádua e Mello, p. 202) — , nos santos —28,3% em 2018 (Gonzaga et al., p. 220) e 33,18% em 2006 (Pedrosa-Pádua e Mello, p. 202)— , e por tabela, o Espírito Santo —35,7% (Gonzaga et al., p. 221) contra 41,55% em 2006 (Pedrosa-Pádua e Mello, p. 202).

Em compensação, os sem-religião, que eram 22,9% em 2006 (Pedrosa-Pádua e Mello, p. 204), conquistaram o pódio em 2018, são 40,7% (Gonzaga et al., p. 241). E aqui, surge uma questão: nos que se declaram sem-religião encontram-se ateus, agnósticos e os que creem, mas não são adeptos de nenhuma religião. No sentido prospectivo, é pertinente que possamos identificar e distinguir estes três tipos na terceira edição da pesquisa com as juventudes.

Também é fundamental que ao delinear/traçar uma terceira edição da pesquisa possamos considerar algumas colocações que os estudantes fizeram e assim, elaborar e propor uma nova disposição de itens e/ou o modo de formulá-los. Citamos como exemplo a opção de “crer em Jesus Cristo”. O que significa crer em Jesus Cristo? Significa crer na fórmula do Credo Niceno-Constantinopolitano? Significa crer que Jesus existiu? Significa crer que Jesus é Deus encarnado? Significa crer que Jesus é um ser iluminado, um Avatar, ou um grande mestre da humanidade? Algumas respostas dos alunos referentes a Jesus Cristo revelam que há um grande arco de compreensão da pessoa de Jesus que se há de considerar na formulação da questão: “acho a mensagem de Jesus Cristo, enquanto homem, sublime” (Gonzaga et al., 2020, p. 223), “eu acredito na existência de Jesus enquanto figura histórica” (p. 224), “só acredito que Jesus existiu pois acho que é uma figura histórica, não religiosa” (p. 229).

Há que considerar que Jesus Cristo é uma figura pública, que ultrapassou os limites doutrinários das igrejas. Jesus não é propriedade do cristianismo nem das igrejas. Se realmente queremos nos envolver e primeirear com os jovens, faz-se necessário destrinchar essa questão e especificar. Seguimos com uma sugestão:

Você crê que Jesus Cristo é: ( ) Filho de Deus/Deus encarnado; ( ) Um grande mestre da humanidade, assim como Buda; ( ) o visível do Deus invisível; ( ) Um homem comum com boas intenções / pessoa ética; ( ) um homem insensato; ( ) um revolucionário; ( ) um personagem inventado/não existiu; ( ) não tenho opinião formada; ( ) outro: ___.

Acreditamos que esta formulação possa oferecer mais especificidade à imagem que os estudantes têm da pessoa de Jesus Cristo. A pergunta cabe no momento: quem é Jesus para os estudantes que frequentam as escolas e universidades católicas?

Outro aspecto relevante que já apontamos no parágrafo acima, é a diferenciação dos sem-religião. Enfatizamos que isso é realmente pertinente para uma melhor distinção, pois nas respostas colhidas em 2018, foram inúmeros jovens que escreveram “ateu”, “ateísmo”, “agnosticismo”, “agnóstico” (Gonzaga et al., pp. 242, 229). É importante delimitar este percentual.

Além de analisarmos o tópico sobre as crenças, também despertou nossa atenção a questão sobre a imagem de Deus, que pelo olhar das juventudes é prioritariamente algo impessoal – uma “energia” em 36% das respostas (Gonzaga et al., p. 230). Nessa linha, também encontramos depoimentos de Deus como uma “força superior”, “força comum” e “força divina” (Gonzaga et al., pp. 242, 227).

O “Deus Amor” aparece em segundo lugar nesta tabela (18,8%) e em terceiro temos 2 itens com empate técnico: outras imagens de Deus que não as indicadas na tabela (13,7%) e a imagem de um pai que ama e se preocupa com as pessoas (1). A pergunta “quem é Deus para você?” na pesquisa de 2018 apresentou as seguintes questões e percentuais:

Tabela 3: Quem é Deus para você?
A natureza 9,40%
O amor 18,80%
Um amigo pra todas as horas 3,10%
Um pai que ama e se preocupa com as pessoas 13,50%
Um ser poderoso que julga os pecados e virtudes humanas 2,30%
Uma energia 36,60%
Outro 13,70%

Fonte: Gonzaga et al., 2020, p. 230.

A imagem de Deus como natureza também teve maior percentual do que a imagem do Deus como amigo, ou do Deus como juiz poderoso. É coerente esta posição do “Deus natureza” quando percebemos a expressiva crença nos espíritos/elementais da natureza e pelo aumento do percentual dos adeptos das religiões afro-brasileiras, como observado anteriormente. Contudo, também se torna pertinente um maior entendimento — “Deus natureza” é panteísta ou pananteísta? No “Deus natureza” está contida a compreensão dos Orixás como forças da natureza? Há respostas bem complexas que expressam Deus como energia + amor + manifestação em tudo e em todos: “acredito que Deus seja uma energia que se manifesta na forma do amor e que está presente na natureza como um todo e em todos os demais seres vivos (sem restringir apenas à raça humana) (Gonzaga et al., p. 231).

As análises das pesquisas renderam um livro cada, certamente os dados possuem pistas para muitas outras reflexões, mas sobretudo para se pensar a relação de integração entre a educação religiosa no ensino médio e a universidade católica.

Conclusão: repartindo experiências

Nossa reflexão foi provocada pela convocação de Francisco para a adesão ao Pacto Educativo Global e, neste sentido, optamos por disponibilizar dados e uma pequena análise de duas pesquisas realizadas com as juventudes da PUC-Rio no espaço-tempo de doze anos. Contemplamos a questão relativa à pertença religiosa, à crença, imagem e experiência de Deus e pudemos observar algumas mudanças no sentir desta questão. Não pretendemos formular nenhuma tese, apenas levantamos algumas hipóteses que podem indicar tendências e que, havendo consolidação de novas pesquisas em outros anos, poderá ser mais bem avaliada. Acreditamos que podemos fortalecer uma aliança educativa quando disponibilizando informações, metodologias, espaços, referências e troca de experiências.

Nossa perspectiva é compartilhar uma experiência que consideramos bem-sucedida e que pode ser utilizada por outras instituições de educação religiosa. Ademais, trata-se, de certa forma, de um reflexo da realidade que se vive no âmbito da PUC-Rio, e pode servir de referência a outros estudos.

Observamos que existe uma imensa riqueza neste processo de escuta das juventudes, algo que está dentro dos princípios do Pacto Educativo Global, promovido pelo papa Francisco e que pode ser implementado no ensino médio e no fundamental (2018b).

Todo esse processo passa, necessariamente, por um comprometimento de todas as pessoas e instâncias —não esqueçamos das famílias— com a educação, daí a importância do pacto ser global. 

Entendemos este decurso como uma travessia na qual estamos apenas no começo, mas que é inexoravelmente sem retorno, pois os horizontes começam a se ampliar na medida em que damos mais um passo —“Eis que farei uma coisa nova, e ela já vem despontando: não a percebeis?" (Is 43:19).

Notas

  1. peregrinamonica@gmail.com

Referências

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Fernandes, S. R. A. (2010). Relatório analítico da pesquisa Perfil da juventude na PUC-Rio. In L. Pedrosa-Pádua; Z. De Mello (Orgs.), Juventude, religião e ética. Reflexões teológico-pastorais sobre a pesquisa “Perfil da Juventude na PUC-Rio”. Ed. PUC-Rio.

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Francisco. (17 de dezembro de 2018b) Em vídeo, Papa afirma que a escuta é a chave para comunicar a fé. Jesuitas Brasil. https://www.jesuitasbrasil.org.br/2018/12/07/em-video-papa-afirma-que-a-escuta-e-a-chave-para-comunicar-a-fe/

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Gonzaga, W., Chaves, A. S. e Ismael, R. (Orgs.). (2020). Perfil da juventude na PUC-Rio: reflexões sobre os impactos da pesquisa de 2018. Ed. PUC-Rio. http://www.editora.puc-rio.br/media/Perfil%20da%20Juventude%20na%20PUC-Rio_book_final.pdf

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Pedrosa-Pádua, L. e Mello, Z. de (Orgs). (2010). Juventude, religião e ética. Reflexões teológico-pastorais sobre a pesquisa “Perfil da Juventude na PUC-Rio”. Ed. PUC-Rio.